JOÃO PALAFITA
Acordou, escovou
os dentes com carvão,
olhou a mesa, pratos vazios...
Ruminou com os olhos a fome.
Abriu a janela, viu
um sol nascente mirrado,
mas que enche bocas vazias,
dependurado nos caibros...
Rogou aos céus!
Passou pó de pemba no peito,
colocou o patuá no pescoço,
fechou o corpo!
Apanhou o gereré,
chamou por Ogum de Ronda
e desceu para a maré.
Foi mariscar...
Papa-fumo,
canivete e rala-coco.
Siris magros,
caranguejos e aratus.
Não acreditou no que viu!
Passou as mãos nos olhos,
viu a fonte do seu alimento,
sem ao menos lhe darem
outro meio de sustento
aterrada pelo lixo
da noite para o dia!
Chorou nas mãos
toda sua agonia...
Enquanto,
ratos, baratas e urubus
faziam a festa, sorriam!
Ainda restava
um pinico de maré,
não pensou duas vezes:
do gereré rasgado, deu-lhe algum nó,
pescando magros baiacus,
tinha ali o seu por do sol!
Subiu as pontes,
passou no cacete-armado
de Tonha de Zene,
deu uma para o Santo
e tomou três poca-olho.
Saiu mambembe,
revirando os olhos, zarolho!
Chegou no barraco, sem tirar as tripas,
feliz, jogou na panela os baiacus,
danação de fome! Aferventados,
encheu o prato, agradecido
fez os sinal da cruz!
Chamou para dentro o alimento,
enganou ali todo sofrimento...
Dormiu por um momento,
sonhou com uma vida melhor,
com a primeira namorada,
como seriam os filhos ali,
sem escolas, sem horizontes,
só lixos por todos os cantos.
Bateu escuridão! Acordou
com o serviço de alto falantes
São Lázaro tocando: eu não
tenho onde morar...
Deu caruara!
Correu para o pinico,
o corpo trêmulo, suava.
Ainda tomou um chá de velame
para rebater o veneno dos baiacus
que tinham lhe saciado a fome.
Vexame!
Colocaram o corpo moribundo
no carrinho de mão,
correram pelas pontes
em busca de socorro.
Tarde demais!
João, semi-inconsciente
pensou na maré e na infância.
Deu o último suspiro,
ficou tudo na lembrança...
Nos terreiros,
o silêncio dos atabaques!
Nos barracos pendurados
um céu cinza nos olhares...
Deus sabe!
Nhca
nov/00
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