GARGANTA PROFUNDA
Maria José Limeira
Houve um tempo, quando cinema era o único divertimento, eu vivia na platéia das salas de projeção.
Os filmes eram minha vida paralela.
Eu sabia tudo sobre Diretores, Atores e Atrizes, e olhava de soslaio os Críticos, porque, para mim, todo filme era bom.
O tempo foi passando.
Mas, minha admiração pela Sétima Arte não arrefeceu, até hoje, embora minha freqüência às salas de projeção tenha diminuído.
Pois bem. Havia fase da minha vida onde eu enfrentava impasses.
Todos passamos por isto.
Impasses familiares, políticos, profissionais, existenciais, amorosos, impasses e mais impasses...
Quando eu estava frente a frente com o Impasse, achando que não iria conseguir solução, não havia outra saída.
Ia dar passeios longos, atravessando parques, ruas, becos e mares.
E, no final, sempre esbarrava à porta de um cinema.
Sem olhar cartazes ou filme que estava passando, eu entrava.
Ali, no ar condicionado, ia esfriando a cabeça e sonhando. O mais que podia.
Quando o filme terminava, a vida para mim voltava a ser boa...
Certa vez, quando estava com um problema, e nenhuma solução, entrei no cinema.
Lá dentro, luzes ainda acesas, sentei-me num canto bem quietinha, aguardando a função começar.
Observando ao redor, notei que a única mulher presente era eu.
Os homens, velhos e novos, estavam vestidos de branco.
Achei aquilo estranho, e admirei-me da coincidência de que todos os médicos da cidade estivessem reunidos ali, como se fossem participar de uma convenção sobre assuntos científicos, e não para assistirem a um simples filme, numa sala de projeção.
As luzes se apagaram.
A tela panorâmica se acendeu.
Passaram desenhos animados e thrillers.
Em seguida, o filme principal entrou no ar: “Garganta profunda”, era seu título, em bom Português.
Eu fiquei pensando quem diabos teria colocado um título assim num filme, o qual não me dizia nada, aparentemente...
Começou o desenrolar da história.
Era um Psiquiatra Anarquista, que atendia suas pacientes nervosas e angustiadas, às quais ministrava, ali mesmo, as doses da medicação.
Os remédios para cura das neuroses eram esses mesmos que vocês estão pensando: altas sacanagens.
Surgiram, na tela panorâmica (som estereofônico!) sexos femininos e masculinos, em tamanhos descomunais, em pleno ato, caras, bocas e gargantas profundas em plena realização (e com todas as letras!)...
A platéia em peso delirava.
Os espectadores batiam os pés no chão, davam gritinhos, soltavam piadas, e se agitavam nas cadeiras.
De maneira que, os assentos sendo conjugados, quando um se balançava, os demais também vibravam.
Eu tive a impressão de que, a qualquer momento, a fila inteira de cadeiras onde eu me localizava iria arrear no chão, com os impulsos que os usuários lhe davam.
Não deu para agüentar mais de meia-hora de filme, principalmente a partir do momento em que eu comecei a sentir a mãozinha boba do meu vizinho subindo pelas minhas coxas...
Levantei-me devagarzinho, sem chamar atenção, aproveitando o escuro.
Lá fora, na rua, descobri – espantada! – que o impasse que me levara a entrar no cinema havia se agravado...
(Maria José Limeira é escritora e doce jornalista democrática de João Pessoa-PB)
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