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Ensaios-->O MAGO DA PENA DE OURO DE CARACOL -- 01/02/2004 - 11:12 (Moura Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O MAGO DA PENA DE OURO DE CARACOL

Moura Lima


'O vento soprando quente e forte tangia para bem longe folhas amarelecidas para o leito do rio Piauí...'

'Surra de peão-roxo não dá vingança, cabra apanha até ficar mole, apancha até rinchar e ficar zoró.'
William Palha Dias


No dia de hoje, 17 de setembro de 1998, exatamente há dois anos e três meses do término do século, e início do terceiro milênio, um dos maiores romancista do Piauí, William Palha Dias, para alegria de todos nós, lúcido, e, em pleno vigor da criação literária, completa oitenta anos de idade.
Da sua pena de ouro saiu um mundo telúrico, cheio de vida e paixões. Assinalou com a pena de mestre os conflitos das almas peregrinas, a salpicar nos descampados e chapadões da existência humana, um página de sonho e esperança. Uma ode dos grandes sopros épicos, da alma sertaneja, que constitui a verdadeira criação literária. Com mais de doze obras publicadas, entre romances, ensaios históricos e didáticas. E nesta data de justas homenagens, onde o mundo cultural, os amigos, os familiares se curvam respeitosamente diante do guerreiro intelectual, que, do alto de suas oito décadas de existência, dá uma pausa e volve o olhar pela imensidão dos sertões adustos, dos caminhos esbrugados percorridos. E eis que, lhe surge numa cosmovisão de raro fulgor, nas bruacas da saudade, a imagem de um jovem cavaleiro, à escoteira, às volta com um cavalo trôpego, aguado, na estrada de Nova Lapa. Apesar do chá de casca de boi, na garupa e dos acochados de esporas no bucho, o animal não se animou, beiçorolou e quedou-se estropiado. E o jovem acabou ficando de a pé, naqueles ermos de chão bruto. E a fome foi arrochando, vozes inconscientes da infância campesina, sovelando:
Está com fome? Coma um boi!
Quer mais? Coma uma vaca!
É pouco? Coma um fuboca!
É muito? Coma então uma onça!

E no outro dia ao clarão da madrugada, no tropear molengo da brisa sertaneja, rompeu a pé estrada afora, vencendo os estirões. E posteriormente no correr do ano de 1948, já funcionário da Comissão de Estrada de Rodagem (CER), padecia sozinho, na região do Vale da Gurguéia numa barraca de lona, de beira-de-estrada, rilhando os dentes em batuque de terçã maligna. O sol se havia ocultado por trás das colinas longínquas, em apoteose de luzes ignotas. Mas as mãos piedosas da divina providência que não desampara as almas sinceras, encaminha para a região um prático para atender o chamado de um capurreiro doente, e por coincidência esbarra no biango improvisado. E para o espanto do jovem, o estudioso prático do Chernoviz, era o seu pai! Aí começa pra valer o bom combate, que fortalece as almas turunas que vieram ao mundo pra vencer e servir a evolução da humanidade! E no santuário de sua alma, as chamas do ideal de estudar cresciam em farfalhantes labaredas de esperanças. Sonhou em ser médico. Mas a roda do destino o levou para as Ciências Sociais e Jurídicas. E, introspectivamente tornou-o médico das almas e terapeuta das dores sociais. E aos poucos, nos vergéis da longa caminhada, foi derramando a beleza de seu mundo interior, nas páginas imorredouras da literatura piauiense. E de uma magistratura honrada, calcada no exemplo da retidão moral, em pleno mundo das oligarquias vorazes e dos coronéis desalmados, nos seus redutos de mando e prepotência avassaladora.
no estado caçula da federação, na capital da amizade, Gurupi, tenho por este mestre do romance binário piauiense, que hoje festeja os seus oitenta anos, bem vividos, a mais profunda admiração. Prezo-o, pela grandeza de sua monumental obra literária, que renovou a estrutura romanesca de seu estado, fugindo do surrado tema: o rio Paranaíba e o boi. E realizou no tapete mágico de sua produção, uma obra de mestre, que dignifica a literatura brasileira. E essa maestria atingiu o ponto máximo no romance, onde aflora a pujança de seu estilo fluente.
De acordo com os cânones da teoria literária, e segundo Henry Thomas, o romance, em seu ápice, não é apenas uma epítome de filosofia aplicada à vida; é uma forma de literatura que abrange as outras formas — poesia, cenário, espaço, tempo, drama, história, biografia, ciência, sociologia, costumes, aventuras, religião e arte. E isso se aplica ao romance de qualquer época. É o retrato interpretativo da existência, da vida coletiva ou isolada, que mostra seu corpo, sua alma e sua mente. Em suas expressões mais altas é uma exposição do pensamento filosófico apresentado em forma dramática.
Uma verdadeira obra literária, tem que se estribar na sua característica ontológica, fugindo da singularidade repetitiva, e se firmando na linha mestra da comunicação, do conteúdo, da linguagem e acima de tudo, da temática.
A produção literária Williandiana apossa-se, na sua grandeza, de todos esses predicativos, que a eleva num caráter permanente para a posteridade. É uma fonte inesgotável para o pesquisador, do campo linguístico-filológico e semântico.
Portanto, o romance é o gênero literário mais difícil de ser elaborado, pois exige do escritor cultura ampla, visão sólida do universo plasmado no espaço geográfico, a ser trabalhado, dentro do nascimento vibrátil dos personagens. É uma caixa de Pandora, a explodir no linguajar limado e brunido da riqueza estilística do artesão da pena. Ser romancista é carregar na alma, uma paixão tremenda pelas dores e alegrias do mundo!
Porém, parece-nos, então, que é no âmago da consciência jurídica-campesina de William Palha Dias que devemos localizar a matriz dos seus pressupostos regional-político-sociais, determinantes da sua firme postura literária, no romance e na crônica. Como homem de Direito, ama os princípios de legalidade e se opõe as contradições horripilantes da sociedade-governo de seu universo literário.
Assim sendo, podemos asseverar: fazer um romance é tarefa de poucos privilegiados. E William Palha Dias, na fecundidade de seu estilo, realizou essa tarefa, dando ao mundo cinco romances de fôlego, que robustece ao lado de outros ilustres escritores da terra, a projeção piauiense no mapa literário do Brasil.
William Palha Dias, na sua vasta obra, revela na estrutura frasal, bem elaborada, pelo ritmo, pelas expressões e pelas preciosidades sem par da fala do povo, do tapiocano, que passa ao campo dos estudos dialetológicos, com as peculiaridades da linguagem regional recolhida no sertão, e revestida de límpido conteúdo poético. Nota-se, nas aguilhoadas eruditivas de seu discurso que parece cachoando em sublimidade pela natureza bucólica, as margas indelével do preciosismo léxico, morfológico e sintático. Como exemplo, vejamos as pérolas extraídas de seus romances:

'O velho pároco era ávido pelas broas e petas gostosas que tão bem sabia preparar a zeladora.'

'De vez em quando a sala era invadida pelo cheiro do bugari que floria na alguidar trepado da forquilha de umburana...'

'Chovia muito. Chuva fina, mas prolongada. Chuvinha insistente dessas de molhar os bestas...'

Podemos citar outros exemplos, notadamente na esfera dos atributos, cuja a cadência dual revela uma atenção burilada de arquiteto zeloso da palavra, na busca intensa de integração lírico-afetiva com a cultura dialetal, que se apropia do léxico regional, matizes de suas origens:

'Cuidou cedo de dar sebo nas botas. Capou o gato. Largou-se mundo a fora, sem destino. Refugou o pau-da-porteira...'

'Antão Guaxinim dava vazão ao instinto de musicista mazorro, solando em seu pé-de-bode astipi ou padazê...'
' Ali mesmo, sem preocupações, foi servindo a cada um, pessoalmente, o prato gostoso de carne- de-sol assada no braseiro, acrescida da dourada rapadura. '

'O sofrê apenas deu pelos viajantes, quando ouviu o tropel dos animais já em cima. Espantou- se e voou a medo para, depois, ir pousar nervoso no galho da umburana-de-cheiro...'

' ... a cascavel sentara-lhe o batim...'

William Palha Dias incorpora magistralmente, no sentido euclidiano, a imagem da gente sofrida à memória de seu tempo:

'Vamos ter seca e, com esse mundão de gente só para comer e explorar maniçoba, vamos ter rebentão!'

'Nem ao menos nuvens disfarçadas se observavam no céu desnudo, desbotado de qualquer sebo- de-carneiro ou rabo-de-galo.'

'... a terra de tão quente parecia uma chapa de ferro ignescente à torreira de lenha em combustão ... escaldava os cascos dos animais que viajavam, fazendo-os estropiar.'


Que belo espetáculo de luminosidade, arte e cultura espontânea não jorram de seus romances!
E a profunda lição de vida, de 'Um Memorial de um Lutador Obstinado'? — É uma comovedora e Sacrossanta lição, da experiência realizadora, para a geração perdida do final do século!
O que direi do homem-escritor, William Palha Dias, a quem tenho a honra de desfrutar de sua amizade, na distância?
— Que os embates travados ao longo de sua existência, jamais embruteceram a sua têmpera de homem de bronze! Que o vinho da alegria, que sempre conduziu no alforje da existência, pelos brocotós, penhascos e verdes campinas do viver, não deixou azedar. E é com ele que vem ao longo dos caminhos, rezando e celebrando o cântico milagroso da vida! O jequitibá está aí, turuna e saudável, na sua longevidade produtiva que assinala nesta data festiva, de merecidas homenagens, o lançamento de mais um livro! De mais um sonho materializado, do Mago da Pena de Ouro de Caracol!.
E na minha patrona, de neto e bisneto de piauiense, trago-lhe, em respeito e admiração, o abraço fraterno da Academia Tocantinense de Letras, e de seus leitores do Estado do Tocantins, que já o imortalizou nestas paragens da região Norte.
E por último, o grande escritor regionalista, José Lins do Rego, ao fechar o seu brilhante ciclo romanesco, deu ao Brasil o 'Cangaceiro', e agora William Palha Dias, para o deleite de todos nós trará a lume, uma epopéia sertaneja, de jagunços, coronéis, peões e boiadas, ao troar da carabina oitavada, nos sertões do barulho de Corrente. É só aguardarmos para aplaudirmos:
— Papo-amarelo!

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