INCIDENTE NA PRAÇA
Certo dia, passando pela frente do fórum, o indigente Sagui ouviu, numa discussão entre causídicos: o nobre colega é intratável!
-Que palavras bonitas - pensou. Nada como a gente ser estudado. Voltando para a praça, lugar de reunião dos indigentes, encontrou a turma à s voltas com uma garrafa de branquinha. O primeiro gole era para o Perneta, considerado o líder. Perneta depositava a bengala na grama, arreganhava a boca desdentada e emborcava a garrafa. Depois era a vez do Caracu. Ao primeiro trago, rompia-lhe uma tosse seca. A garrafa pela metade passava ao Bernabé, o indecente. Esse deitava-se na grama, com a mão coçando as partes, e sorvia a cachaça como se estivesse num festim na antiga Roma.
Em torno da praça gravitava a vida de todos; dormiam debaixo das árvores e utilizavam a bica d´água para os atos de higiene. Acabada a bebida, o Perneta dirigiu-se seco à Maria Preta: "te vira, mulher. Vai arranjar mais!" "Vai tu, aleijado do inferno! Pensa que tu tá falando com a outra?" A outra era a Doca, atualmente embarrigada, não se sabe por qual dos ocupantes da praça. Doca sabia mendigar com os olhos cavernosos, de brilho irrecuperável. Ao seu redor amontoavam-se crianças de seus acasalamentos.
Perneta não admitia réplicas. Erguendo a bengala, descarregou-a nas costelas da Maria Preta. Circunstantes pararam a fim de apreciar o tumulto. Bernabé ria com o único dente. Sagui, que andava de olho na mulata, ficou incomodado. Lembrando-se da discussão ouvida horas antes, dirigiu-se ao Perneta:
- O nobre colégua é um tratávio!
- Que? Repete isso se tu é home!
- Um tratávio! E dos grandes! - reforçou Sagui.
O pequeno Sagui era meio misterioso. Surgira de repente, não se sabe de onde, a praça era uma enorme mãe. O Perneta avançava furioso:
- Vem aqui, seu sagui de titica! Vou te mostrá quem é batávio!
O Perneta veio com a bengala em riste. Errou o golpe, desequilibrou-se, estatelando-se no chão. Os outros envolveram-no com abraços, desviando sua atenção do oponente. Doca ofereceu-se para ir buscar bebida. Sagui, com o medo nos olhos, suspirou de alívio:
- Puxa, se eu soubesse que tratávio era um palavrão, não tinha me metido a besta!
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