O VELHINHO NO PALANQUE
O velhinho já havia passado dos noventa anos. Foi vereador na cidade por mais de trinta. Presidente da càmara. Tinha sido fundador do time de futebol, provedor do hospital e criador do coral citadino. Foi quem colocou a pedra fundamental no estádio olímpico da cidade. Agora, estava sendo homenageado com desfile e apresentações folclóricas.
Colocaram-no num palanque, junto à s autoridades. Havia trazido discurso. Falou durante meia hora, com voz tremida, pronunciando "esses" e "erres", fazendo questão de ressaltar os "eles" finais (nacionall...), coisa de gente antiga. Depois, postou-se duro como uma estátua, as mãos sobrepostas em frente ao corpo, numa postura cívica, enquanto se sucedia a programação. Impassível. Vieram as apresentações de capoeira, pau-de-fita, grupos de balé. Depois de três horas, iniciou o desfile. Colégios, associações, escolas de samba passavam ininterruptamente. O apresentador, no auto-falante, dizia frases gastas.
Passaram mais três horas. O velhinho, esquecido no canto, fechou os olhos, ia quase dormindo. Um gaiato lembrou de colocar uma estaca para escorar seu corpo esquálido. Deu vontade de fazer xixi, mas aguentou firme(mais duas horas). Os outros no palanque conversavam animados, combinavam estratégias políticas, esquecidos da festa. O assessor do prefeito paquerava a titular de educação do município.
O velhinho não aguentava mais (desfilava a associação dos bolonistas): ninguém prestava atenção nele, urinou no cantinho do palanque. Mais duas horas. Calor de rachar. Tirou o paletó, arregaçou os punhos da camisa. Agora, entrelaçava as mãos detrás do corpo, o olhar grave como convém a um homem público. O desfile não terminava nunca. Coisa para mais quatro horas. O calor incomodava. Tirou a camisa. Quando se lembraram de olhá-lo, o velhinho estava completamente nu, as mãos tapando as partes. Civicamente, é claro.
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