Usina de Letras
Usina de Letras
24 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62328 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22542)

Discursos (3239)

Ensaios - (10406)

Erótico (13576)

Frases (50707)

Humor (20053)

Infantil (5473)

Infanto Juvenil (4794)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140841)

Redação (3313)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6219)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->Mensagem do mar -- 11/07/2001 - 10:49 (Maurício Cintrão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Foi no frio úmido das areias pedregosas da Ilhabela que descobri o verdadeiro sentido da vida. Era uma tarde escura, cinzenta. Pescadores haviam trazido para a praia, perto da Vila, os restos de uma canoa quebrada. Era o fim das buscas por uma família, pai e dois filhos, que saíram a remo em mar bravo, numa das pontas da Ilha, para pegar de volta uma bola que o vento levara para as águas.

Mundos e fundos foram mobilizados para achá-los. Helicópteros, aviões, barcos de porte saíram à cata de algum sinal de vida. Mas ninguém encontrou nada, só aquela canoa quebrada. Mensagem inequívoca de que os três não conseguiriam voltar. Foram vencidos pelo temível vento noroeste, um sopro natural da região que vem em lufadas pela baía de São Sebastião e destelha casas, emborca lanchas e atrapalha a vida dos velejadores. O poderoso noroeste fizera mais três vítimas.

Lembro que ficamos chocados com a história e com seu desfecho. Alguns ainda falavam que os corpos poderiam dar na praia qualquer dia. Aquilo nos horrorizava. O lugar dos nossos sonhos, das nossas aventuras, não poderia ser mortal. Mas era. Sempre é, sempre foi. Qualquer lugar é mortal se a hora do fim da vida chega.

Pensava naqueles meninos. Brincavam à beira-mar, em um ponto de correnteza mais forte. A bola foi levada pelo vento. O primeiro saiu a nado atrás dela. O segundo viu que o irmão estava com problemas com as grandes marolas e saiu de canoa para ajudá-lo. Também se deu mal. O pai, então, seguiu a nado e reuniu-se aos dois.

Já na canoa, tentaram voltar, mas não conseguiram. Vento e corrente levavam a família cada vez para mais longe, longe, longe... Os que assistiram contam do desespero de quem estava em terra (não havia embarcações nas proximidades para resgatá-los) e da família em luta com seu destino.

Como se fosse hoje, lembro daquela canoa quebrada, lançada sobre a areia grossa da Ilha. As pessoas observavam os restos respeitosas, como se a canoa fosse feita de corpos. Mensagem universal para quem entende, por pouco que seja, a braveza do mar. Para um pescador, barco partido é vida moída.

Deixei parte da meninice naquele episódio. De certa forma, parti com aquela família. Um pouco porque tinha por brincadeira navegar nas águas calmas da Ilha e conhecia muito bem os efeitos do noroeste na região. Outro tanto porque imaginei que poderíamos ter sido nós, eu e meus primos, os náufragos daquele pedaço de canoa sem gente.

E o verdadeiro sentido da vida iluminou-se: ela termina. A vida sempre termina. Hoje, amanhã ou em um dia desses. Aqui por uma bola que se perdeu nas águas, ali por um amor mal resolvido, lá por uma dessas coisas que acontecem e ninguém sabe explicar. A vida acaba e, como dizia um amigo meu, a morte passa a ser vivida. Vivida com a intensidade reversa do que poderia continuar sendo simplesmente vida. Mas não continua, acaba. Às vezes, nas lindas marolas do mar da infància.

Maurício Cintrão
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui