O bizarro casal ocupou o lugar de costume no ónibus. Percebendo a incómoda presença o motorista começou a piar como um bem-te-vi, depois passou a imitar o trinca-ferro e daí por diante. A senhora, sentada ao meu lado, apressou-se a comentar: essa não! O casalzinho abestado, de novo. Prepare seus ouvidos para o repertório sem fim de asneiras!
Dois lugares à frente, o tresloucado par conversava em altíssimo tom de voz, ela falava ao celular e ele, um "pitchboy" com cara de lumbriga, grunhia frases incompreensíveis que a namorada perua traduzia sem dificuldade.
- Momy, dizia, com uma vozinha nojenta e fina, capaz de embrulhar estómago de avestruz!...
- Momy, pede ao Johnny ( o "pitchboy" ) para parar de me beliscar! Aiiiiii! Pára, baby! Estou ficando roxa!
O tipo abrutalhado ria da perua, gritando-lhe obscenidades ao modo de um chefe de campo de concentração.
- E a vozinha enjoada repetia: pára Johnny! Mooomy, pede para o baby parar!
Ninguém poderia saber o que estava ocorrendo do outro lado daquela esdrúxula conversa ao telefone, mas os comentários começaram a circular, incontidos...
- Que saco hein, mêrmmaaaãooo!
- Pobre mãe desta criatura, deve estar arrependida por ter dado à luz a esse cérebro de chiclete!
- Que vozinha chata!
- Ó perua, vê se fecha a matraca!
Mas a candidata a recepcionista de detetive particular de quinta categoria, continuava o papo com a genitora.
- Mooommmyyyy! O Johnny é dez! O cara é gênio momy! Advinha o que ele disse para o professor de literatura ?
- Um poema linddéééééérrrrriiiiiimmmmooooooooooo, que ele fez só para mim.
- Segura aí que eu vou ler para você!
Mina, cê teim uns olho maneiro.
Num sei si teus olho eu olho.
Pode nem ser isso que ´tó vendo.
Quando teus olho tão olhando o movimento.
Só sei que us teus olho eu vi primeiro.
Falllooooóóó, baby ?
- O professor não acreditou que o Johnny conseguiu escrever esse poema tão! Tão! Tão! Tão! Siniiiiiissssttttrrrroooooo!
- Não é lindo momy? O baby é gênio...
A voz vítrea e estridente percorria sem piedade o coletivo.
O condutor do veículo não parava de imitar os pássaros. Ora um bem-te-vi, ora um trinca-ferro, ora um sabiá, ora um cambaxirra, ora um garrincha...
Próximo ao casal oligofrênico, um senhor tossia com toda força. Havia um menino cantando um "rap" especialmente composto para homenagear a dupla de cavalgaduras. Ouviam-se cochichos ininterruptos, assovios nervosos, melodias religiosas. Completo caos. Dodecafonia pura!
Em meio ao pandemónio, a dita cuja com reduzido tamanho cerebral, gritou: cala a boca gente inguinorante! ´Tõ falando com momy e ninguém respeita? Pega eles baby! Dá uma acalmada nessa galera de invejosos! Que é que foi? ´Tá faltando amor para vocês ? Olha só baby, olha só o olho-grande desse povo!
- Moooommmmy! Moooommmmy! Moooommmmy! Moooommmmy! ´Tá ouvindo?
Tem um velho atrás de mim que não para de tossir e um moleque chato cantando um rap de gozação comigo e com o baby! Vou mandar o Johnny dar porrada neles! O motorista ´tá enchendo o saco imitando passarinho. Vai Johnny! Quebra todos eles!
Mas o mastodonte estava muito doido para tanto. Limitou-se a proferir alguns imcompreensíveis ruídos guturais, como se reclamasse da ordem recebida.
- Ah, é assim, não é? Toma seu gorila sem sentimentos.
Arremessou o celular com toda força contra a cabeça do armário de miolo mole. A resposta foi um série de xingamentos que só a perua conseguia entender.
A perua do lotação, (como ficou conhecida, a partir do episódio), desceu no primeiro ponto gritando alucinada com aquela voz esganiçada e irritante.
O Johnny, doidão, ficou por ali resmungando, falando sozinho...