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Cronicas-->Colcha de retalhos -- 18/10/2000 - 20:21 (Maurício Cintrão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Flávia olhou na janela e disse:
- Olha só onde o pessoal da favelinha coloca as roupas para secar!

Calças, camisetas e vestidos de vários tipos, tamanhos e cores foram dependurados nas grades do viaduto que está sendo reformado. Uma das pistas está interditada e, por isso, o tráfego flui em mão-dupla bem ao lado do varal improvisado. Um muro de concreto, porém, limita a visão dos motoristas. Egoisticamente constato que a cena é um privilégio para alguns poucos que estão nos prédios mais altos. Somos dois deles.

O telefone toca, pessoas entram e saem da sala e o dia comercial segue seu curso, apesar das roupas, do viaduto, enfim, deste visual encantado. Não sei explicar o motivo, mas é gratificante ver os andrajos emoldurando o tráfego. Deve ser pela mágica luz do final da tarde. Lembra as colchas que minha avó costurava. Aproveitando retalhos de tecido, montava um mosaico bonito de enxergar. Era assim que embelezava camas e forrava estofados surrados de anos.

Estranho lembrar dessas coisas pois as roupas no viaduto não estão lá para embelezar. Documentam sem querer a miséria da favela, que não é bonita. Mas o concreto picotado fica menos feio com as roupas estendidas. É gostoso de olhar, o que é que eu posso fazer? São mistérios oferecidos pelas grandes cidades que exibem de repente todos os seus pecados.

Eu preciso trabalhar. Estou atrasado e ainda nem comecei o que tenho a fazer. Mas não consigo tirar os olhos do viaduto costurado. Passam os veículos contando os segundos. As roupas balançam e se mexem como se estivessem pedindo usuários para sair dançando no meio dos carros. Alguma coisa me diz que não posso largar assim esse presente do acaso.

Mas não sei o que faço. Daqui a pouco, os panos serão recolhidos por seus donos. O dia cairá e a noite devolverá ao viaduto o ar soturno de obra pública que nunca acaba. Fotografar não adianta. Então, escrevo com um olho no texto e outro lá, silenciosamente agradecido por estar aqui e poder assistir a esse espetáculo tão singelo.

Na tarde de hoje, na cidade mais rica do país, um viaduto feio ficou bem vestido com uma colcha de retalhos.

Maurício Cintrão
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