Conheço o sabor dessas nuvens. Sorvi-as tantas vezes que até perdi a conta de quando deixei de ser eu mesma para sê-las. A primeira vez em que fui essas nuvens, estava dizendo meu mais difícil adeus. Levei-o até o aeroporto, com um gosto amargo na boca e uma certeza de que assim era melhor, lá dentro, de meu coração. Então, esperei que o avião partisse. E, embora ele não pudesse ver-me naquele momento, chorei. E nunca mais esqueci-me desse choro. Nem das nuvens que continuaram suas vidas etéreas.
Os dias foram ficando menos nublados e apenas uma nuvem sobrou. Levei-a para o sótão e coloquei-a perto de um vaso com flores. De vez em quando, quando visito o sótão, encontro-a. A nuvem.
Mas tive que me tornar sol novamente quando minha amiga mais preciosa precisou de minha companhia. E nem bem me tornei em primavera, a vida me chamou a encenar inverno novamente. E a segunda vez aconteceu. Minha amiga foi embora.
Depois, foi minha primeira mãe. E meu ex-marido. E a inocência de minha irmã caçula.
Há três anos atrás foi com meu pai.
Um dia será com minha segunda mãe.
E todas aquelas últimas nuvens não podiam ficar soltas num sótão. Coloco-as, agora, dentro de um baú, como pétalas, onde o sol bate mantendo-as vivas...afinal, as dores também são importantes nessa vida de passagens.
Fui nuvens em outros momentos desassociados de pessoalidade. A sociedade. A sociedade que me bate na cara todos as manhas em que percebo nossas perdas singularmente coletivas. Mantenho-me fria, como uma bandeira que tremula a vento. Resisto. E já não sou inverno, nem primavera. Recuso-me a ser outono.
Agora basta abrir o baú e elas estão lá. São todas minhas. Com o mesmo frescor a dizer que continuar é mais do que necessário.
É bem possível que algum dia alguém abra esse baú e liberte essas nuvens, meu relicário. É bem possível que comece sua própria coleção de nuvens. Ou que me inclua na coleção já existente. E de nuvens, passe a colecionar céus. Pois a amplidão é nosso alvo inicial.
