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Cronicas-->Quebra-cabeças -- 09/06/2003 - 17:27 (Luciene Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quebra-cabeças

Chuyan não tem esperanças ou ilusões. Se as tivesse, consideraria todas como falsas. Ele viu o retrato. Sabe que não há salvação para ele. Para nenhum deles, na verdade. Selize não precisou ver retrato. Sabe disso mesmo sem retrato.

Quando Qu Yuan atirou-se no rio Milo para protestar contra a corrupção, não estava fazendo apenas isso, estava tentando livrar-se de quem era. De ser mais um no anonimato em que vivia. Tinha conseguido. Mas para quem? Para os que ficaram? E os que ficaram podiam fazer o que? Essa fama faria o que por Qu Yuan? Não teria ele ganho mais se houvesse buscado fama em si mesmo? Buscar fama fora de si, buscar uma fama dada por outros não era o mesmo que dizer "ei, vocês aí, vocês são mais importantes que eu! Por isso, preciso que fale de mim!"? Não era isso mesmo? Chuyan achava que sim. Mas as pessoas não costumavam pensar na filosofia da fama.

Chuyan sentia-se mais e mais perdido. Como se enjaulado.
Agora, via o amontoado de cabeças nos barcos do Dragão. Uns faziam arruaças. Outros riam. Para uns, o significado daquilo tudo era válido. Para outros, não. Mas o que importava, afinal? Éramos mesmo um bando de solitários e viver e morrer era a mesma coisa. Tudo uma pilhéria.

Chuyan estava morrendo na primavera de 1982. Conhecer Selize funcionou como um bálsamo, uma redenção. Ele passou mais 20 anos acordado, morando num dos quitinetes do prédio de quatro andares, comendo pouco, dando aulas de matemática e transando muito. Selize não lhe dava paz. E isso era o que ele menos queria. Era como se houvesse arrebentado uma corda dentro de si, arrancando-lhe noções de rédeas e regras. Ele ficara louco. E ela, sempre o fora.
O pênis dele vivia esfolado, a vagina dela vivia dolorida. E os dois sorriam. Afinal, o que houve com os outros? Escreveram suas historias. Nada mais.

Qu Yuan usou a vida para morrer. Gandhi ensinou algumas coisas e mesmo assim o mundo não se tornou melhor. Até Jesus, o deus do ocidente, já havia escrito sua historia. E nem ele conseguiu algo melhor que a miséria que a TV trazia para dentro de seu casebre todas as noites. E se Chuyan não havia morrido, não passaria o resto do que sobrara pensando nisso. Ele iria viver. E se viver implicava em saciar a mulher que amava, era isso que iria fazer.

Selize terminou o curso de filosofia e agora é enfermeira. Anda treze quarteirões de sua casa até o hospital, misturada com a turba anónima. Sente-se como uma formiga. Ampara doentes, feridos, terminais, passageiros, sobreviventes todos.
Ela tem uma estatueta de Buda. Guarda dentro da bolsa. Só precisou atracar-se a essa estatueta quando precisou fugir de um homem que a perseguiu pelas ruas da cidade. Queria sexo com ela. Depois, ela passou uns dois meses procurando o tal homem. Se o achasse teria matado-o. Levou um bisturi na bolsa por dois meses. Depois a dor passou.

Na frente do diário de Chuyan há um retrato. No retrato figuram vários homens e mulheres. Uns bem vestidos, outros mal vestidos. Todos adoram um líder. Um outro homem. Esse, muito bem vestido.

Eles acham que não. Mas todos sabem que sim. Faz parte do jogo, um mentir para o outro. A bomba foi parar em lugar errado. O prédio de quatro andares foi pelos ares por volta das seis da manhã. A enfermeira não foi trabalhar naquele dia. O professor de matemática foi encontrado sobre o corpo dela. Numa terra de tanta gente, não se dá importància a certas bizarrias.

Bicicletas continuam em seus trajetos. A vida vive e fala por si mesma. Quando você anda de avião, você não tem noção do que acontece em cada curva dos veios geográficos.
Tampouco sabe se as formigas têm dramas pessoais. Isso não lhe interessa, tampouco.

A gente sempre tem um símbolo para se lembrar do que a vida significa para a gente e o que deveria significar para os outros. Mas os símbolos são desencontrados.
Por isso, talvez, a vida pareça um quebra-cabeças.

L.Lima
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