Usina de Letras
Usina de Letras
65 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62324 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22542)

Discursos (3239)

Ensaios - (10404)

Erótico (13576)

Frases (50704)

Humor (20051)

Infantil (5472)

Infanto Juvenil (4793)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140840)

Redação (3313)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6219)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->O Executivo -- 03/06/2003 - 02:04 (Luciene Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Um ano de Você S.A., mais dois anos de Exame. Haviam alguns outros
exemplares, Manager, The Executive, alguns outros ainda cujos títulos nem
eram expressivos.

Havia tomado uma decisão, a de ser feliz, a de vivenciar tudo o que havia
aprendido, mas não mais seguindo regras alheias, e sim a mistura de todas
elas que acabaram produzindo as suas mesmo.

Enquanto fazia a limpeza da estante, pensava no dinheiro jogado fora em nome
da atualização, em nome do mundo corporativista, em nome de seu próprio
quinhão nesse mundo capitalista.

Estava farto de tudo isso, não do mundo humano-desumano em que vivia, não do
dinheiro como força propulsora para o crescimento civilizatório, não das
relações delineadas pelo estilo de vida criado em função de tudo isso e das
idéias conturbadas, muitas vezes até detentoras de beleza, consequência do
sistema em que vivia. Não. Mas do que se tornara diante de tudo isso, da
compreensão desse todo fragmentado, que não conseguia juntar de forma a
obter felicidade desse mosaico em pedaços. Sentia-se emplastrado, como se, a
cada situação, tivesse que procurar em seu arquivo mental uma regra, uma
lição, uma mascara para vivenciar o fato presente. Se não o fizesse,
desconhecia como agir. Estava cansado de programas, de planejamentos, de
organogramas, da avalanche de passo-a-passo, como um manual de fabricação
desenvolvido depois do produto já usado. Queria encontrar-se, descobrir-se,
saber quem era, abaixo dos escombros de tudo isso.

Tinha a mente cansada, o corpo igual. Até seu próprio riso parecia-lhe uma
caricatura grosseira, um comportar-se scriptzado....ah, sim, agora
definitivamente sentia-se um fantoche e, o pior, nem podia culpar a deus.

Quando o diretor saiu da sala, viu-o ainda enchendo o cesto de lixo de
papeis, revistas, relatórios antigos, um verdadeiro "5S" individual, como se
o kambam estivesse pronto a ser instaurado. Enganava-se, mas não sabia disso
àquela hora. Otavio, nosso personagem da limpeza, com esse nome apenas por
força da necessidade de não misturarmos as cenas, agora que o diretor entra,
pois esse personagem bem poderia ser eu ou você, não olhou para o diretor.
Na verdade olhava para os papeis que dava de comer à lixeira. O diretor
sentiu, com o resto de humanidade natural com que a organização empresarial
lhe permitira ficar, que não devia aproximar-se. Antes submisso, agora
Otavio parecia irradiar uma espécie de brilho, uma auto confiança
inesperada, um vigor que no dia a dia não lhe era peculiar. Por isso o
diretor postou-se do outro lado da baía, fingindo que trabalhava para
observar os gestos de Otavio.

Por fim, viu-o esvaziar a própria valise, descalçar os sapatos, livrar-se
das meias, gravata, relógio e até um anel prateado que Otavio carregava no
dedo, estrangulado pela vaidade. E o viu abrir a janela da sala.

Ficou ali, Otavio, olhando para as pessoas que, lá embaixo, a exemplo dos
formigueiros, evitavam-se, conversavam quando em pares, todas seguindo seu
próprio mapa interno, desenhando caminhos no chão da cidade. Pensava no
transtorno que seria estatelar-se naquele chão atrapalhando a paz forjada
das pessoas que andavam e também na alegria que daria a elas por mudar-lhes
a rotina com fato que não acontece todo dia. Não, mudara de idéia. Mais a
mais, fugir assim não era o que pretendia...isso seria, sim, entregar-se por
inteiro ao desespero em que acaba qualquer sanidade às portas desse coletivo
automatizado. E não queria ser livre para algo que desconhecia, a morte.
Alimentava o desejo de ser vivo para algo em que poderia atuar. A morte,
àquela hora, parecia mais um coletivo de fantoches passivos do que a
oportunidade de libertar-se do que houvera sido. Ao invés do corpo, lançou o
anel fora, como um presente dos deuses cansados de tanta divindade, para os
anjos lá fora. Póde quase ouvir sua voz interna gritando "isso é presente
para vocêssssssss!".

Calçou os sapatos, jogou a gravata e as meias fora. Pegou alguns itens da
valise e dirigiu-se para a porta. Olhou para o rosto do diretor que nada
fazia para fingir o interesse e quando este abriu a boca, Otavio
simplesmente virou as costas e nunca mais apareceu na empresa.

As blitz em sua casa foram inúteis. Alguém, um dia, disse que um carro havia
parado, dois homens carregaram os poucos pertences, mais nada. Um outro
morador havia para lá se mudado. De Otavio, nem sinal.

L.Lima


Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui