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Contos-->MOSKA KRISTO - 1ª PARTE -- 09/11/2003 - 08:51 (Marco Antonio Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Foi bem assim que aconteceu:
Eu era um mendigo nas ruas de Roma, tinha tomado umas com os trocados angariados na pedição, e depois de forrar o bucho com uma massa de quinta categoria, entornei água que passarinho não bebe pra dentro, pra anestesiar a dor de viver.
Lá pelas tantas estou ouvindo uma vozinha esganiçada, me chamando pelo nome, pedindo para eu acordar.
Abri um olho só e chequei em volta: nada.
Voltei a dormir e a vozinha chamou novamente, dizendo:
- Pedro, acorda homem, tenho uma missão pra você. Acorda seu filho da puta!
Aquilo foi demais, eu podia ser um sacana, mas minha mãezinha não era uma puta. Acordei e fui logo me armando com uma tábua para acertar o descarado que insultou minha mãe.
Não havia ninguém. Até que a voz fina voltou a chamar, dizendo que estava bem na minha frente.
Mas na minha frente só tinha uma mosca chata zumbindo e voando feito uma doida.
Dei um safanão na danada e ela foi pousar nuns caixotes de papelão ali perto.
Novamente a vozinha chata chamou. Foi então que eu percebi que aquela voz vinha do mesmo lado da mosca, aliás, era proferida pela mosca.
Tomei um susto danado, tentei fugir, mas o estado de embriaguez em que me encontrava não me permitia coordenar bem meus movimentos com minha vontade.
Pensei que estivesse sofrendo de uma alucinação, ou então era o diabo que vinha me levar pras profundas, disfarçado de mosca falante.
Mesmo me batendo nas paredes do beco, a tal mosca continuava me seguindo e falando:
- Pare aí seu safado, ouça ao menos o que eu quero te dizer.
Finalmente tive que ceder aos desejos comunicatórios da mosca, por não ter nenhuma condição de sair correndo desembestado daquele lugar.
Sentei-me no chão e a mosca pousou bem em cima de uma ferida que eu tinha no joelho, que ficava à mostra pelo fato de minha calça estar rasgada.
Ela pousou e começou a falar de novo:
- Pedro, Pedro, não te espantes de ouvir uma mosca falar, pois Deus opera maravilhas mesmo que o homem não as entenda.
- Quem é você? O diabo?
- Antes fosse, seria mais fácil encontrar quem quisesse me ouvir. Não Pedro, eu não sou o diabo. Prometi que voltaria, e voltei, mas não da maneira que esperavam que eu voltasse.
- Eu não estou entendendo nada mosquinha.
- Logo você vai entender, vou fazer com que recobre as lembranças de uma vida passada, quando nós trabalhamos juntos.
Naquele momento algo aconteceu. Fiquei sóbrio e ao mesmo tempo, confuso.Via tantas imagens num mesmo instante, que não conseguia entender bem o que se passava. Senti alegrias e tristezas, dores e prazeres. Me vi nascer e me vi morrer, crucificado de cabeça para baixo. Espantado, quase desmaiei.
- Isso mesmo, Pedro, você está de volta e eu também.
- Como posso ter certeza que isto não é arte do demo? Como posso eu, um mendigo fudido das ruas de Roma, em pleno século vinte e um, ser também aquele Pedro, que é santo da igreja?
- Pedro, as coisas são simples, mas as pessoas complicam, porque não conseguem ver além das aparências.
- E você? Quem é você afinal?
- Pô Pedro, não sacou ainda? Sou Moska Kristo!
- Como pode ser isso? Como você, o salvador, pode voltar ao mundo como, como uma mosca?
- Os homens sempre esperaram mais do que realmente merecem. No nosso tempo, esperavam um rei-guerreiro, coberto de glórias e armado até os dentes, e Deus me mandou, simples e manso como um cordeiro, montado em um pobre burrico, para mostrar-lhes que o que importava não era a aparência, e sim a essência. Mas eu não fui aceito, senão por um pequeno grupo de pessoas que realmente receberam e entenderam a mensagem.
O tempo passou e as coisas voltaram a ser como era antes, ou até pior. Os homens começaram a me esperar de novo, a clamar de novo, por um rei de glória e guerra, que derrotasse o diabo, esse que vive nos corações das pessoas, que não movem uma palha para tira-lo de lá, e ficam nas igrejas rezando para que eu volte o retire, mas não querem faze-lo por conta própria, por medo de ficarem sozinhas. Melhor ter um diabo no coração do que esperar por um salvador que nunca vem.
- Que coisa horrível de se dizer, senhor!
- Mas é isso mesmo. Para preencher o vazio interior, as pessoas preferem até mesmo o diabo de que a elas próprias, porque assim justificam toda sorte de desgraças que fazem ou que recebem. O fato é que passaram dois mil anos esperando por mim, e eu aqui estou.
- Uma mosca? Não deram muito crédito ao homem, e darão a uma mosca? Senhor, pera lá! Acho que dessa vez pisaste na bola.
- Nada disso Pedro, o plano de Deus é infalível, mesmo que os homens, como sempre acontece, não entendam nada. Sempre se disse que se eu voltasse a Terra, seria novamente crucificado, pois bem, voltei ao mundo com uma missão, que deverá ser cumprida no espaço de tempo em que vive uma mosca: vinte e quatro horas.
- Acho meio impossível. Quem quererá ouvir uma mosca falante? Quem aceitará a palavra de Deus proferida por um inseto?
- É isso mesmo, Pedro. Deus mandou-me de volta nesta forma inferior, para dar mais uma cutucada no orgulho e na vaidade do homem. Eles esperam coisas absurdas e extravagantes. Querem que uma cidade inteira desça do céu e pouse na Terra, como se não houvesse coisa mais importante para se fazer do que construir cidades. Querem que o céu se abra e eu - na forma de um homem, é claro - vestido de roupas brilhantes e montado num cavalo – isso é demais – desça à terra acompanhado por um sem-número de anjos, para MATAR!. Eu não entendo, Pedro, como os homens podem ser tão estúpidos. Eu dei minha vida por eles, pregando o amor e o PERDÃO, como agora eu poderia voltar aqui e matar adoidado?
- Mas, uma mosca?
- É, uma simples e prosaica mosca. Mas uma mosca com um dom humano: Uma mosca falante.
- Se temos até o grilo-falante, por que não?
- Você tem uma grande missão, Pedro, novamente. Não se deixe seduzir pelas asneiras humanas.
E ali, naquele beco sujo, quase chegando a aurora, aquela mosca falante, pousada em minha ferida, disse-me:
- Tu es Pedro, e sobre esta pereba erguerei a igreja que derrubará todos os templos que os homens ergueram aos demônios que habitam seus corações.
Caminhamos naquele início de manhã, pelas ruas da cidade, enquanto eu procurava descolar alguma grana para o desjejum.
- E você, mosquinha, não come nada?
- Enchi a pança com sua ferida, não lembra?
- Você é nojento! Ainda nem tomei café e já estou enjoado.
- Pedro, nos tempos atuais espalhar a palavra é bem mais fácil, temos o rádio, a tv, a internet...
- Mas mosquinha, eu sou um mendigo. Nunca me deixarão entrar no prédio da RAI, muito menos apresentar um programa com uma mosca falante.
- Porque não tenta?
Foi assim, encorajado pela Moska Kristo, que eu cheguei ao prédio da emissora de tv. Montei um espetáculo circense na porta, conversando com a mosca, até atrair a atenção de muita gente. Elas ouviam a voz da mosca quando deixavam que ela posasse perto de seus ouvidos. As palavras de Moska Kristo aliviavam seus doridos corações e elas partiam enternecidas, deixando algum dinheiro no meu chapéu.
De início as pessoas pensaram tratar-se de um número de ventriloquia, mas logo se surpreenderam com aquela mosca tão filosófica.
Uma equipe de reportagem da tv saiu à rua para gravar uma matéria para o noticiário matinal. Uma vez colocado no ar, chamou tanta atenção que os executivos pensaram em apresenta-lo no programa seguinte, de variedades e coisas do lar.
Fui então levado para as dependências da tv, sempre acompanhado da mosca. Trocaram minha roupa e combinaram comigo o que deveria dizer em frente às câmaras.
- Tudo bem, mas quem vai falar mesmo é a mosca, e ela vai precisar de um amplificador.
Eles me olhavam, ainda céticos, achavam que era alguma piada, ou então que eu era louco mesmo. Era evidente que a possibilidade da mosca estar falando aquilo tudo não era nem considerada.
Moska Kristo me pediu que perguntasse qual o alcance daquele programa. Era local, atingiria somente a Itália. Diante disso, ele recusou-se a participar. O programa seguinte, o “Questa Itália”, era transmitido para todo o planeta, via satélite, e era nesse que Moska Kristo queria falar.
- Não esqueça que eu não tenho muito tempo de vida.
Fiz a proposta aos diretores, e eles quase me enxotaram dali, mas um outro me chamou para conversar em particular.
- Senhor, sabe que este programa é um retrato da Itália para o mundo? Quer que façamos um papel ridículo diante do planeta, apresentando uma mosca falante? Isto é matéria para programas de variedades para ser assistidos por donas de casa e desempregados, não para o mundo todo.
- Diretor, quero que entenda que eu não falo pela mosca, e que ela , ou ele, assim o deseja. Fala Moska!
- Obrigado Pedro.
Enquanto Moska Kristo falava, o semblante do homem se transtornava. Acho que ele passou por uma transformação interior naquele momento.
- Isto é incrível, é uma maravilha, um marco na história da humanidade. Vamos para o estúdio de “Questa Itália”!


www.poetadopovo.kit.net/

Marco Antonio Cardoso
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