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Contos-->ARANILDA -- 05/10/2003 - 22:14 (Marco Antonio Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Assim que deixou o ninho de sua mãe, Aranilda, uma aranha comum, dessas que vivem nas casas humanas, procurou um canto da casa para fazer sua teia e sobreviver, capturando os insetos que, desafortunadamente, ficassem presos na trama de seda que ela tecera.
Enfim, depois de perambular pela cozinha, pela sala e por alguns dos dormitórios, encontrou um lugar que acreditou ser ideal: o sótão.
Usando as técnicas aprendidas com sua mãe, ela esmerou-se em tecer sua primeira teia, que logo a recompensou com a captura de um pequeno mosquito para o jantar.
Os dias se passavam e ela, entediada, tecia novas teias, aqui e ali, como hobby. Aranilda era muito caprichosa e inventiva. Gostava de criar formas extravagantes, nada comuns às teias que sua espécie tecia.
Ela vivia sozinha num canto escondido do sótão, que não recebia muitas visitas humanas, conseqüentemente não se faziam muitas limpezas por lá, o que significava que suas teias não eram destruídas com a constância que se via em outras partes da casa. No entanto, esta preservação entediava cada vez mais a solitária Aranilda, que se cansava de ver as mesmas teias todos os dias, e ela tinha tantas idéias para teias legais, com formas novas e artísticas.
Aquele lugar era muito tranqüilo mesmo, tanto que ela não agüentava mais morar ali, embora o local lhe oferecesse alimento em abundância, pois havia cupins e formigas que sempre se prendiam em sua poderosa teia, mas ela sentia falta das suculentas moscas que comia enquanto morava na teia de sua mãe, que ficava perto da cozinha, onde as moscas eram comuns.
- Argh! Outro cupim. Lamentava-se ela. Eles são tão amargos.
Um dia Aranilda viu um macho se aproximar de sua teia, querendo namora-la. Ela fez uma cara de poucos amigos, mas ele, que não se intimidara, falou:
- Você tem oito pernas lindas, sabia baby?
- Nem vem que não tem. Disse ela irritada.
O pretendente de Aranilda chamava-se Aranolfo. Era baixinho, como todos os machos, mas estava decidido a casar-se com ela, afinal, estavam na idade de acasalar-se.
- Hei baby, você tem uma teia bem legal aqui, hein! Que desenho bárbaro.
- O que você entende disto? Vocês machos não conseguem tecer nada.
- É verdade, mas eu sei reconhecer um talento, e digo que você é uma artista e tanto.
De fato, Aranilda não fazia teias convencionais. Para vencer o tédio de seus dias, acostumou-se a fazer diversos modelos de teia, que espalhava pelo sótão, abandonando-as algum tempo depois, enquanto tecia um novo modelo mais adiante.
Um certo dia, o dono da casa resolveu limpar o sótão e se admirou das várias teias que ali haviam, abandonadas e com desenhos diferentes e originais.
Ele decidiu preserva-las numa espécie de livro, cujas páginas negras davam o devido destaque às formas das teias.
-Olha só Aranilda, aquele humano está roubando suas teias. Falou Aranolfo, agora casado com a artista aracnídea, enquanto apontava para o homem que recolhia as teias.
- Deixa pra lá, já não me serviam mesmo.
Ela agora estava adulta e carregava um grande ovo sob o abdômen, que logo eclodiria, dando á luz muitos filhotes.
Aranolfo, que ainda não fora devorado, estava pretendendo ir embora antes que finalmente virasse almoço de sua esposa, que estava cada dia mais irritada com sua presença na teia.
- Eu tenho muita sorte, e sorte não se pode ignorar. Falava consigo mesmo, enquanto planejava sua fuga.
Um belo dia, ela abriu os seus seis olhos e viu Aranolfo saindo pelo basculante do sótão.
- Já vai tarde. Gritou ela.
Aranilda fazia teias quadriláteras, pentagonais, circulares, octogonais, elípticas, de todas as formas geométricas conhecidas.
O dono da casa as colecionava em um livro, que já era famoso e entrara na lista do Guiness Book, rendendo-lhe fama e dinheiro, porém ele nunca vira a aranha que tecia aquelas teias tão originais. Algumas vezes ficara de tocaia, mas Aranilda se escondia numa fresta da parede nestas ocasiões, só saindo quando se certificava que ninguém mais estava no sótão.
Sua ninhada fora numerosa, mas em pouco tempo todos foram embora, como ela mesma fez na juventude.
Agora ela era uma aranha velha e solitária, mas cheia de idéias no cefalotórax.
Há muito tempo que ela idealizara uma teia pra lá de inovadora, mas não tinha tempo de executa-la, com todos os seus afazeres de aranha casada e mãe.
Naqueles dias de final de inverno, ela sabia que ninguém apareceria no sótão, portanto, teria tempo de sobra para fazer sua obra-prima: uma teia tridimensional, dodecaedrica e espiralada.
Tendo se entregado com paixão ao trabalho mais importante de sua vida de aranha criadora, nem mesmo os cupins que ficavam presos em sua nova teia, ela comia. Obcecada pelo trabalho, soltava todos, temendo que, ao se debaterem tentando libertar-se, acabassem por destruir algum fio que comprometesse a estrutura da teia.
Muito magra, faminta, ela se espremia para expelir mais e mais fios de seda, que tecia com habilidade impar.
Do centro da teia, agora terminada, ela contemplava sua obra, orgulhosa e exausta.
Olhou em seguida para os demais cantos do sótão, onde tecera outras tantas teias, desde que para ali se mudara quando era jovem.
Sabia que estava preste a morrer, e se deu conta de como tudo aquilo que fizera durante sua vida era efêmero, não tinha sentido, mas, de alguma forma, criar teias com desenhos sempre novos lhe servira de alento para uma vida tão simples e enfadonha.
- E se eu tivesse me contentado com o padrão das aranhas? Teria feito uma teia somente, reformando-a de tempos em tempos, reparando os estragos feitos pelos cupins e formigas e só. Se eu nada tivesse criado, seria mais feliz agora eu vou morrer? Acho que não. Se o que eu fiz foi perda de tempo, se nada tivesse feito, seria um desperdício.
Satisfeita e com seu espírito pacificado, ela morreu tranqüila no centro de sua engenhosa teia.
Algum tempo depois, o dono da casa foi verificar se havia mais alguma novidade da aranha misteriosa, que, caprichosamente criava aquelas teias originais que ele colecionava, quando se deparou com aquela maravilhosa teia que tomava metade do sótão, com uma estrutura digna dos melhores arquitetos da raça humana.
Ali mesmo, boquiaberto, ele decidiu criar uma galeria no sótão de sua casa, para preservar o trabalho da aranha.
Ele emoldurou as páginas do livro que guardavam as teias recolhidas, pendurando os quadros nas paredes do sótão. Na entrada, sobre uma mesinha, uma ampola de vidro colocada sobre uma almofada de veludo vermelho, estava preservando o corpo de Aranilda, exposto ao público que visitava a primeira galeria de arte aracnídea do mundo.
No centro de tudo, cercado por paredes de vidro, a grande teia tridimensional, dodecaedrica, espiralada, a obra prima de uma aranha chamada Aranilda.



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Marco Antonio Cardoso
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