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Contos-->UM TREM PARA BRESLAU -- 28/09/2003 - 20:31 (Marco Antonio Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando chegava o inverno, o que mais me divertia era ver os trens na estação da cidade. Meu pai sempre me levara para vê-los partir com toda aquela fumaça, e o barulho que para mim soava como música, uma sinfonia de Brahms.
Pois era inverno agora, estávamos em guerra desde 1939, mas meu pai dizia que tudo iria terminar em breve e que nós venceríamos os americanos. Eu não ligava para isso, mas quando meu melhor amigo teve que se mudar, me disseram que seu pai, Sr. Joachim Stein, era um traidor do Reich. Nunca acreditei nisso, mas meu pai pediu que não dissesse a ninguém o que eu pensava.
A rua em que morava ficara quase deserta, e eu sai de casa atravessando os jardins cobertos pela neve que caíra à noite. Rumava para a estação de trem, que não ficava muito longe dali.
Com sorte veria a neve misturar-se ao vapor das locomotivas, transformando-se em geladas gotas de chuva, que eu apreciava sentir caindo sobre meu rosto.
Sempre fizera isso quando meu pai me levava a passear, e era mais divertido quando Joseph Stein vinha conosco. Ele e eu tínhamos a mesma idade, crescêramos juntos naquela rua, sua casa ficava a uma distância de dois quarteirões da minha. Também estudamos na mesma escola até que o Füerher decretou a separação das escolas para alemães e não-alemães. Sendo de origem judaica, Joseph fora transferido para outro estabelecimento de ensino. Pôr essa época, meu pai e o Sr. Joachim passaram a não se falar, o que fez com que eu e Joseph já não nos víssemos com tanta freqüência, mesmo assim, ainda era possível fazermos os passeios até a estação para ver os trens, nossa grande paixão. Queríamos ser maquinistas, e certa vez um condutor de trem deixou que entrássemos na cabina de comando, o que nos deixou fascinados.
As ruas próximas da estação estavam particularmente desertas naquele começo de tarde de janeiro de 1944, tinha então treze anos e avançava resoluto, mesmo que uma certa inquietação tomasse conta de meu coração. Após alguns quarteirões, comecei a ouvir rumores de soldados em marcha, o que atiçou minha curiosidade e fez-me apressar o passo da direção do som.
Não demorou muito para me deparar com aquela estranha cena, quando soldados armados, enfileiravam-se escoltando uma turba maltrapilha, que arrastava consigo malas e sacolas, como se estivessem de partida para algum lugar. Caminhavam em direção à estação de trem, como eu. E eram tantos! Homens, mulheres, crianças e velhos, todos vestindo pesados agasalhos escuros, onde se via a estrela de Davi costurada no lado esquerdo, identificando que se tratavam de judeus.
Fiquei a observar de longe, sentindo grande inquietação, até que comecei a aproximar-me e acompanha-los timidamente. Foi quando, para grande surpresa reconheci entre aqueles rostos macilentos o meu pequeno amigo Joseph e seus pais, Sr. Joachim e sua esposa Sarah. Caminhavam junto àquelas pessoas, com um ar de profunda amargura.
Foi quando Joseph me localizou na calçada e acenou com a mão, chamando meu nome, o que causou alguma irritação em um soldado que estava próximo dele, que o empurrou fazendo com que seu casaco caísse ao chão e fosse abandonado com o prosseguir da marcha. Nisso um dos guardas me avistou e aproximando-se foi ordenando para que me afastasse dali, o que fui obrigado a fazer a contragosto.
Tendo eles se distanciado, corri para apanhar o casaco que Joseph deixara cair, e minha intenção era entregar-lhe, tão logo o alcançasse. Atalhei pôr algumas ruas secundárias que me levariam mais rapidamente ao meu destino.
No caminho, como a neve agora caísse com mais rigor, acabei pôr vestir o casaco para melhor me agasalhar, Quando fui interceptado pôr dois soldados, que, sem querer ouvir qualquer coisa que eu dissesse, agarraram meu braço e, chamando-me “judeu fujão”, arrastaram-me pela rua até chegarmos à estação, onde fui colocado numa fila organizada para embarcar aquelas pessoas num grande trem que ali se encontrava. Em vão tentei explicar que não era judeu, que apenas queria entregar aquele casaco a um amigo que o deixara cair, mas como resposta fui agredido com um soco no estômago, quase caindo ao chão, se não fosse uma velha senhora que estava atrás de mim e me amparou naquele momento.


Fomos conduzidos para o interior da estação, onde as pessoas eram embarcadas em grandes vagões de madeira, daqueles feitos para carregamento de carga. O trem que me conduziria Deus sabe para onde, era enorme, uns dez vagões de carga, alguns outros de passageiros, onde se acomodaram alguns dos soldados que haviam conduzido o grupo de judeus, um grande reservatório de carvão e a locomotiva preta, onde dava para se ver na pintura as letras “SS”.
Fui jogado para dentro de um daqueles vagões, ao lado de todos aqueles desconhecidos. Lá dentro um forte odor de estrume, que causava me náuseas, escuridão e o ar viciado de tantas pessoas respirando sem nenhuma ventilação. Estava com medo, quase não podia me mexer, sobretudo não conseguia entender como tudo acontecera, estava, assim pensava, irremediavelmente perdido. Lembrei-me de Joseph. Onde estaria agora, em qual vagão?
O trem começara a se movimentar, o apito da locomotiva anunciava a partida, e enquanto aguardava meu destino, fiquei a observar, mesmo com a pouca luz de que dispúnhamos ali dentro, os rostos daquelas pessoas, o que estariam pensando, para onde estariam sendo levados, e o mais intrigante, porque?
Num instante várias perguntas pipocaram em minha cabeça, e várias lembranças de fatos recentes tornaram as respostas mais difíceis. Queria perguntar-lhes porque estavam ali, mas não me atrevia.
De repente, todos os judeus que eu conhecera no meu bairro foram se mudando, e até os comerciantes fecharam seus estabelecimentos. Meu pai jamais me explicou porque tudo isso acontecia, e eu preferi não aborrecê-lo com aquelas perguntas que o deixavam tão embaraçado. Agora, no entanto, vivendo uma situação extrema, não tinha a meu lado nem pai, nem mãe para me responder, porque tudo aquilo. Somente eu parecia capaz de responder a todas as minhas perguntas, mas uma forte emoção me paralisava até o pensamento. Aquelas pessoas cantavam agora uma antiga canção judaica, que eu já ouvira na casa dos Stein, cantada pela Sra. Sarah, e esta canção tocava tão profundamente em meu coração, que, mesmo chorando, comecei a entoa-la junto com eles, enquanto a sinfonia dos trilhos seguia seu curso cíclico.
Acabei pôr dormir, não percebendo quando o trem parou, já ao amanhecer do dia. Despertei com os gritos dos guardas e o barulho das portas abertas violentamente. Gritavam ordenando para que todos descessem e formassem fila dupla ao lado dos trilhos.
Não sei bem onde me achava, ainda estava escuro, o céu carregado de pesadas nuvens. Em fila começamos a caminhar sobre a neve alta, pôr uma estrada que levava a uma espécie de acampamento, pois estava cercado de arame e havia muitos soldados e cães. Ao lado da estrada estendia-se uma grande floresta nua, enquanto guardas enfileiravam-se nas duas margens. Numa placa quase escondida pela neve pude ler “Breslau”.
Um pensamento agitava meu ser, a fuga. Atentamente observava cada detalhe de tudo a minha volta, planejando fugir daquele lugar antes de chegar ao acampamento. Nesse momento uma agitação entre os cães tirou a atenção de alguns guardas da margem esquerda da estrada, abrindo um espaço que conduzia a uma parte mais densa da floresta. Era tudo o que eu queria. Sem pensar mais, disparei naquela direção. Mesmo dificultado em meus passos, pela neve, avancei floresta adentro, buscando alcançar nem sei o que. Os cães começaram a latir ferozmente, e os guardas, gritando, correram atrás de mim atirando.
Pude ouvir o zunido das balas cruzando o ar bem próximo à minha cabeça, e os cães pareciam quase me alcançar, pois o cansaço já estava paralisando minhas pernas. Repentinamente, uma dor aguda se fez sentir no lado direito do pescoço, e o sangue quente aqueceu a pele gelada. Continuei correndo, desordenado, cambaleante, até que uma bala atravessou-me o peito pelas costa, perfurando a estrela de Davi que trazia costurada no casaco que tomara de empréstimo. Cai ensangüentado sobre a neve, e ainda senti os cães respirando sobre mim, mordendo meu braço. Os soldados apanharam-me e levaram meu corpo quase sem vida até um caminhão, onde fui jogado. Lá, enfim, expirei.

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