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Contos-->A POEIRA DAS SANDÁLIAS -- 28/09/2003 - 20:29 (Marco Antonio Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Toda a minha busca terminara ali, abrupta e estupidamente interrompida pela insensatez humana.
Por quase três anos venho seguindo seus passos, sem no entanto lograr encontra-lo, sem ter podido falar com ele, olha-lo ou tocar-lhe as vestes.
Desde que ouvi falar que ele operava maravilhas, deixei definitivamente o negócio das caravanas para meus filhos, e pus-me na estrada, seguindo os passos daquele nazareno miraculoso.
Diziam-me: Ele está ali!
E para lá ia eu, cheio de esperanças.
Falavam-me: Está acolá!
E eu mudava de rota, o mais rápido possível, para alcança-lo.
Mas, minha idade já avançada não permitia grande agilidade, e o dinheiro que trouxera comigo, logo desapareceu.
Aqui e ali, no rastro do nazareno, mendigos, doentes, desafortunados de todo tipo me rodeavam, seguindo para onde diziam que ele estaria.
Não poucas vezes comprei alimentos e remédios para aqueles pobres coitados, que buscavam um alívio para as dores do corpo, bem diferente de mim, que sentia tão somente uma angustiante dor na alma.
Não demorou muito, e também eu estava mendigando, pois minhas provisões acabaram, e já estava bem longe de casa para buscar um socorro dos meus.
Aqueles que seguiam comigo, quando conseguiam algo para si, dividiam também comigo. Se me sentia feliz quando podia ajuda-los, agora que era o necessitado, via meu coração repleto de alegria por sentir que era digno da piedade e da amizade daqueles pobres homens.
Minha túnica, rica e vistosa, seria destruída nesta que parecia ser uma longa jornada. Assim, tão logo pude, vendi-a e comprei uma mais simples, usada mesmo, pois assim não me destacaria do conjunto de maltrapilhos que seguiam os passos do mestre. O restante do dinheiro conseguido serviu para alimentar por mais alguns dias, aquele crescente número de bocas famintas, notadamente velhos como eu, e crianças, muitas crianças.
- Ele está em Cafarnaum!
- Ele está em Bethânia!
- Ele curou cegos e aleijados!
- Ele ressuscitou Jairo, tirou-o da tumba!
As notícias que chegavam a nós, derradeiros seguidores, eram maravilhosas, espetaculares. Nos enchiam de esperança, pois cada um desejava aproximar-se do mestre para ser curado de uma chaga, quer física, quer espiritual. Até mesmo que não soubesse a diferença entre elas.
Era chegada a Páscoa novamente. E por quase três anos, a festa das ervas amargas foi mais amarga para o grupo ao qual me juntara.
Algumas vezes me perguntei se não havia enlouquecido. Deixara para trás uma vida de trabalho e riqueza, em busca de algo que não podia identificar. Uma necessidade estranha, que me impelia numa jornada repleta de dificuldades de toda sorte.
Mas, nestas dificuldades experimentadas, parecia que retirava algum alento, e descobria dentro de um corpo envelhecido e cansado, tamanha fibra e disposição, que sentira na minha juventude. Buscar o nazareno, seguir-lhe os passos, me dava novo ânimo a cada dia. E este ânimo contagiava aqueles que como eu, também o procuravam por um motivo ou por outro, até mesmo o fato de estarmos sempre atrás, distantes, meio perdidos, ainda assim não desanimávamos.
Soubemos naquela tarde que Jesus entrara triunfalmente em Jerusalém.
- Como nas escrituras, como falou-nos o profeta, adentrou a cidade como o Messias anunciado.
Aquilo me fez crer que estava certo, mas também me trouxe um aperto no coração, pois conhecia o que dizia o profeta a respeito da vinda do Messias.
- Precisamos ir para Jerusalém, para encontrar Jesus! Assim falei ao grupo, mas estavam todos muitos cansados e famintos para prosseguir de imediato.
Eu não poderia perder tempo, sentia que era chegada a hora de encontrar Jesus.
Um dos companheiros resolveu acompanhar-me na jornada de um dia> Então nos pusemos a caminho, resolutos, em direção a Jerusalém.
O caminho parecia aumentar a cada passo, por mais que andássemos, nunca parecia que estávamos mais próximos da cidade.
A noite caíra e Jerusalém ainda estava distante. Fizemos uma fogueira e descansamos sob um frondoso cedro. Meu amigo logo adormecera, mas eu estava por demais ansioso para dormir. Fiquei imaginando como seria meu encontro com o Mestre Galileu. No entanto, aquele aperto no peito não havia desaparecido ante as esperanças renovadas com as últimas notícias.
Nem bem amanhecera e nos pusemos de pé, partindo a caminho da cidade. Chegaríamos ao por do sol, no início do Sabath.
Às portas de Jerusalém percebemos um tal alvoroço estranho. Vários grupos aqui e ali discutiam e cochichavam. Mulheres choravam, piedosas, enquanto soldados romanos cruzavam nosso caminho a cada momento. Estavam em todo lugar.
- Houve alguma revolta de zelotes, disse para meu amigo.
- Logo saberemos, vou perguntar a estes passantes.
Ele se afastou para interpelar alguns homens que pareciam pesarosos. Percebi que seu semblante mudou rapidamente, e uma cor de cera tomara-lhe as feições.
Ao voltar para onde eu o aguardava, percebi que algo estava errado.
- O que houve? Porque esta cara?
- Jesus, o mestre está sendo crucificado agora mesmo.
Ele desabou em pranto, enquanto eu o consolava, com meu coração espatifado. Não podia acreditar no que ouvira.
Rumamos para o local da ignomínia, o Gólgota.
Sentia como se meu peito fosse explodir, a cada passo que dava naquela direção. Ao longe avistei as cruzes, eram três, onde os condenados de Rom, normalmente ladrões e assassinos, eram executados cruelmente como mostra da justiça violenta dos dominadores do mundo. Soldados romanos e do templo estavam no lugar. Um grupo de seguidores do mestre também. E o povo, que como soubera, haviam condenado o piedoso Jesus, agora observavam o resultado de sua estupidez.
Não pude chegar mais perto. Sua figura esquálida e estropiada chocava a vista. Aquele homem fora barbaramente torturado antes da crueldade derradeira.
Um misto de revolta, piedade e medo tomaram conta de minha alma, parecia que naquele momento somente existia eu e Jesus, crucificado à minha frente. Pesadas lágrimas rolaram de minha face envelhecida, e o pranto precipitou-se sobre as sandálias que trazia atadas aos meus pés andarilhos, cobertas com a poeira das estradas da Palestina.
Enfim, vi o mestre expirar, enquanto eu relembrava todo o tempo que percorri os quatro cantos do país a procura-lo, sem saber exatamente porque. Agora eu sabia. Seu último suspiro soou em meus ouvidos como um sussurro, dizendo para mim que eu não fiz nada em vão, que o fim da minha jornada ainda não acabara, e que aqueles anos foram os anos de aprendizado, quando eu deixei o orgulho por terra e me expus à simplicidade, ousando ser fraterno e amável. Nunca havia pensado desta maneira, não observara qualquer mudança no meu proceder, em todos estes anos. Estivera fixamente preso ao desejo de encontrar Jesus, e não sabia o que exatamente desejara dele. Agora, encontrando-o morto, sem que pudesse dirigir-lhe mais que um piedoso olhar, enquanto agonizara, senti pacificada minha alma, como se soubesse bem no intimo, que nada havia acabado ali, mas que aquele momento seria o propulsor de profundas reformas morais, que cada ser teria que fazer para alcançar finalmente a paz e a felicidade, o termo do caminho de cada existência.




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