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Contos-->ENCONTRANDO BAADER - MEINHOF -- 24/09/2003 - 13:46 (Marco Antonio Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O ano, 1977.


Eu tinha treze anos e minhas ideais eram bastante diferentes dos garotos de minha idade, colegas de escola.


Acompanhava com grande interesse os acontecimentos que se desenrolavam na distante Alemanha, mas, apesar da distância, meu espírito estava lá, com eles, Andreas Baader e Ulrike Meinhof.


Eu sentia uma grande afeição pela Alemanha, desde o berço. Esta afeição me acompanha até os dias de hoje. Meus compositores favoritos são alemães, as operas que mais aprecio, foram compostas por Wagner. Esta afeição levou-me a descobrir bem cedo o nazismo, ou, melhor dizendo, o efeito teatral do nazismo, tal como Göering idealizou. Se ele conseguiu seduzir o povo alemão na década de trinta, também pode enfeitiçar um garoto pobre da longínqua Terra Brasilis. Por algum tempo, divertia-me em exasperar meus pais pintando bandeiras nazistas de papel e enfeitando meu quarto. Quando assistia filmes sobre a guerra, torcia pelos boschs. Mas tudo isto passou. Na verdade, depois de me despir da fixação por Adolf Hitler, decepcionado ao descobrir as atrocidades praticadas contra os judeus na segunda guerra, que fez sua imagem perder o fascínio que despertara em mim desde os oito anos de idade, fazendo-me até mesmo abandonar a leitura de Mein Kampf, que terminei por queimar no quintal de casa, buscava ideais libertários, revolucionários mesmo, que significassem uma mudança radical no estado de coisas que dominavam o Brasil da época. Eu já sabia da existência da ditadura, que tanto execrava, e fantasiava com as histórias sobre as guerrilhas do Araguaia e Caparaó, Marighela e Carlos Lamarca.


Agora, meus ídolos adolescentes eram Carlos, O Chacal e o Grupo Baader-Meinhof.


Eu vibrava com as investidas terroristas sem ter, no entanto, um julgamento mais definido sobre tudo aquilo.


Minha mente digladiava-se entre a idéia de paz e harmonia universal, que me levaria a experimentar êxtases transcendentais anos mais tarde, e o desejo de mudar o mundo à minha volta, cheio de injustiças e misérias. Queria realizar meu sonho quixotesco de lutar contra o mal, e Baader-Meinhof representava este desejo.


Naquela tarde, chegara da escola com tarefas de matemática para fazer. Tranquei-me no quarto, como de costume, e liguei o som no máximo, ouvindo Janis Joplin, Jimi Hendrix, Bob Dylan e The Who. O jornal estava na estante, e trazia na capa uma manchete sobre o Baader-Meinhof.


O jornal noticiava: Andreas Baader e sua namorada Gudrun Ensslin, encontrados mortos em suas celas em Stuttgart.


A manchete me levou a ler a matéria atentamente. Deitado na cama acabei por adormecer, mas quando acordei, tudo estava diferente.


Estava num quarto escuro e feio, parecendo um depósito. Tinha uma pequena janela que filtrava pouca luz, devido à fuligem acumulada sobre o vidro. Eu ouvia vozes vindo da porta, encostei o ouvido e tentei escutar o que diziam.


Foi quando alguém abriu a porta violentamente, derrubando-me no chão.


- Marco, venha para a reunião e deixe de dormir.


Juntei-me ao grupo, que discutia sua próxima ação: Roubar o cérebro de Ulrike Meinhof, que lhe fora retirado depois de morta, e agora estava num laboratório da Universidade de Frankfurt, para enterra-lo junto ao corpo da companheira de luta.


Ouvia com atenção o plano ser delineado por Jan-Carl Raspe, enquanto Andreas Baader andava de um lado para outro, impaciente, às vezes falando coisas confusas. Gudrun Ensslin, permanecia imóvel num canto da sala, seu olhar estava parado, como que perdido em outro lugar, outro tempo.


Descemos as escadas que levavam a um beco apertado e sujo, onde estava estacionado um carro que o grupo usava.


Nos bancos haviam sacolas cheias de armas e munição.


Entramos no carro e seguimos rumo ao destino. Havia um clima de nervosismo entre nós. Eu, particularmente, estava excitado e confuso.


A paisagem cinzenta passava por nós apressada. Gudrun me deu uma pistola.


Ao chegarmos nas imediações do que parecia ser um instituto de pesquisas ligado à universidade, o carro foi parado numa via secundária, embaixo de algumas árvores. Descemos rapidamente e rumamos para o prédio, que era cercado por um muro de pedra com um metro e meio de altura.


Jan levava uma planta do prédio, que usamos para localizar o melhor local para pular para dentro do terreno. Já passava das 20:00 horas, e começava a escurecer em Frankfurt.


Andreas, que era o mais alto, ajudou os demais a transpor o muro, perto de uma lixeira. Depois disso, nos esgueiramos até uma entrada de serviço que parecia não estar vigiada.


O objetivo era alcançar o laboratório de anatomia, que ficava no segundo andar. Teríamos que encontrar o corredor principal, que ficava uns vinte e cinco metros depois daquela porta, alcançar a escadaria principal e por fim percorrer mais alguns metros até o laboratório. Não sabíamos se o cérebro de Ulrike Meinhof estava trancado em algum compartimento secreto. Iríamos precisar de algum tempo até completar a missão.


Andreas sempre falava daquela situação como sendo uma monstruosidade: “aqueles porcos imundos”, dizia ele. Notei que Gudrun ficava incomodada com a importância que Andreas dedicava ao assunto, e foi fácil perceber que havia um certo ciúme dela quando se tratava da relação entre Andreas e Ulrike. Mais tarde Jan-Carl me confirmaria isto.


Arrombamos a porta e entramos no prédio. O corredor estava iluminado por algumas lâmpadas fracas, percorremos a metade da distância, quando percebemos a presença de guardas. Escondemo-nos num pequeno depósito, aguardando que a movimentação se aquietasse. Depois prosseguimos até a escadaria que dava acesso ao segundo pavimento.


Estávamos todos nervosos, armas em punho, vestidos com roupas negras e toucas igualmente negras na cabeça. Finalmente vencemos os quinze degraus que nos levaram ao corredor onde estava o laboratório. Foi fácil abrir a porta, e com lanternas percorremos as mesas e estantes, procurando um frasco grande com um cérebro dentro. Uma coisa bem macabra.


Não encontramos nada, Jan-Carl estava preocupado, pois havia descoberto o paradeiro do cérebro de sua companheira de crimes, graças a informações fornecidas por um simpatizante do grupo que trabalhava no Instituto de Ciências. Andreas estava visivelmente perturbado, até esbarrou numa mesa com vidraria, derrubando alguns frascos, o que provocou barulho e deixou a todos nervosos e assustados. As armas fora logo preparadas para atirar em qualquer um que entrasse no laboratório. Felizmente, ninguém ouviu o barulho.


Foi quando Gudrun descobriu uma caixa de metal fechada com um cadeado, dentro de um armário de vidro. Tinha que ser ali.


Exercitando sua especialidade, Gudrun abriu a fechadura com muita agilidade e logo estava revirando um arame na cavidade do cadeado.


Assim que ela abriu a caixa, retirou de dentro um frasco esverdeado, que continha um líquido translúcido, no qual flutuava um cérebro humano. Uma etiqueta colada na tampa não deixava dúvidas. Estava escrito Ulrike Meinhof.


Encontramos. Agora tínhamos que sair dali. Foi quando ouvimos sirenes de viaturas policiais que chegavam em quantidade e cercavam o prédio.


- Jan-Carl - perguntou Andreas - tem uma saída alternativa?


Ele nos mostrou a planta. Só havia uma forma de sair dali. Tínhamos que alcançar as galerias pluviais que passavam sob o porão do prédio. Mas estávamos no primeiro pavimento, e a polícia estava entrando no pavimento térreo, ou seja: estava entre nós e a saída.


Havia um elevador de materiais ali mesmo no laboratório, que levava ao depósito de produtos químicos no subsolo do edifício. Os policiais invadiram o laboratório quando estávamos descendo pelos cabos, depois de movimentarmos o elevador para o andar superior ao nosso. Foi Andreas quem disparou contra os guardas, com toda a fúria que lhe era peculiar.


Conseguimos finalmente chegar ao bueiro que dava acesso à galeria pluvial, mas a polícia logo chegou ao porão. Novo tiroteio. As balas zuniam no escuro. Descemos ao túnel e seguimos em uma das direções. Sempre seguindo Jan-Carl, que, eficientemente, trazia consigo uma bússola.


- Eles devem estar nos esperando no rio. Disse Gudrun.


Mudamos de caminho, rumando para uma área habitacional, conforme informava Jan-Carl. Logo descobrimos que policiais vinham em nosso encalço dentro da galeria.


A escuridão era interrompida aqui e ali pela luz que atravessava as bocas de lobo. Uma sensação claustrofóbica tomou conta de mim, quando tivemos que rastejar por um canal secundário. Aquilo despistou os policiais, mas estávamos correndo sério risco de morrer por asfixia naquele túnel.


Rastejamos por quase uma hora, até que Jan-Carl deu sinal para que parássemos. Havia à nossa frente uma espécie de caixa receptora que levava diretamente ao Reno. Mas havia o perigo de encontrarmos a polícia na saída que dava para o rio.


- Temos que sair agora. Disse Andreas. Vamos subir por aqueles degraus de ferro até o bueiro e tentar escapar pela rua.


Assim fizemos, e saímos em uma praça perto do centro da cidade. Por já ser tarde, as ruas estavam relativamente desertas. Assim que nos situamos, Andreas sacou a pistola que carregava, carregou-a e se dirigiu à rua, chamando um táxi. Ao parar, o motorista foi rendido e fugimos no táxi até o norte da cidade, quando abandonamos o carro e roubamos outro.


- Para onde vamos agora? Quis saber.


- Vamos para Hamburgo enterrar este cérebro com a dona dele.


Gudrun observou que Andreas estava obcecado, e eles começaram a discutir. Em dado momento, ela pegou a bolsa em que guardara o frasco e colocou-o para fora do carro, ameaçando larga-lo na estrada.


Jan-Carl pedia que se acalmassem, pois poderiam chamar a atenção da polícia.


Nem bem ele falara encontramos um cerco policial à nossa frente. Tentamos fugir por uma via local, mas o carro bateu numa árvore, deixando Jan-Carl e Gudrun machucados. Eu e Andreas saímos do carro e tentamos retira-los, quando a polícia se aproximou. Ele começou a atirar, mas foi atingido no ombro e logo depois dominado.


Eu fugi pelo bosque que marginava a estrada até chegar numa espécie de muro de contenção, que tinha uns trinta metros de altura. Lá embaixo, um canal que se ligava ao Reno. Avistei uma descida a uma certa distância e segui em sua direção. A polícia vinha logo atrás. Equilibrei-me sobre o muro e caminhei, mas como estava escuro, escorreguei e me precipitei sobre as águas do canal.


Enquanto caia, senti uma sensação estranha, pois parecia que caia lentamente, como uma cena em slow-motion.


Acordei.


- Puxa, que sonho! Era muito real.


Aquele sonho foi perturbador. Já haviam se passado quatro horas, quase tanto tempo quanto deve ter durado aquela ação toda.


O tempo passou também até os dias de hoje, quando recordo estes fatos e sonhos.


Não sou mais fã do Baader-Meinhof. Hoje os considero inconseqüentes quanto ao papel que o indivíduo deve ter com relação às injustiças que o cercam. Calar-se jamais. Agir, sim, mas, sem violência. Hoje estou mais próximo do Mahatma Gandi que dos insensatos Andreas Baader e Ulrike Meinhof.


Só para concluir esta narrativa incomum, o cérebro de ulrike Meinhof foi retirado depois de seu suposto suicídio em 1976, e somente enterrado vinte e seis anos depois, após a luta constante de sua irmã e sua filha. A justificativa para tamanho absurdo é que os cientistas queriam pesquisar causas físicas, materiais, como possíveis deformações anatômicas, que justificassem o fato de a bem nascida e socialmente bem estruturada Ulrike Meinhof ter abandonado sua família e sua carreira para se juntar ao arruaceiro Andreas Baader e sua namorada Gudrun Ensslin, numa odisséia de terror, seqüestros roubos a banco e assassinatos na Alemanha dos anos setenta. Nada descobriram, porque, como é sabido desde que os cientistas do século XV começaram a dissecar cadáveres em busca da alma, o espírito humano não habita o corpo, e sim o corpo habita o espírito.


O que leva o homem a optar pela violência como forma de lutar contra a violência que o estado pratica contra o indivíduo é a falta de estrutura ética e moral que o ser não desenvolve durante a infância.





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Marco Antonio Cardoso






Marco Antonio Cardoso
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