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Contos-->GRADES ABERTAS -- 09/02/2003 - 00:26 (lira vargas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

GRADES ABERTAS



Morava no interior do Espirito Santo, meus pais eram fazendeiros, eu e meus irmãos éramos muito unidos, talvez pelo regime rígido de minha família, pois a minha mãe era muito vaidosa, eu principalmente vivia tentando chamar sua atenção. E na minha infantilidade demonstrava a minha carência, praticando artes que irritava a todos na fazenda.
Foi no mês de julho, na hora do jantar, após eu Ter soltado a sabiá de estimação, que ouvi minha mãe dizendo na mesa que em setembro eu faria nove anos e iria juntamente com meus dois irmãos para o colégio interno. Senti meu estômago comprimir, um medo terrível tomou conta de mim. Em meu mundo de menina criei um mundo de fantasmas, olhei para meu pai numa súplica de sua resposta negativa, meus irmãos Flávio e Hermes, olhamos- nos. O silêncio falou pôr nós no vocabulário reduzido da ordem da mesa, fui a única que chorou. Minha mãe disse que eu voltaria nas férias com bons modos.
A noite chorei baixinho, sabia que em pouco tempo estaria em um colégio e o tio Jarbas sempre nos contava da solidão que sentira ao ser internado, quando tinha sete anos e que agora com cinqüenta anos amaldiçoava a covardia que lhe fizeram. Fiquei imaginando como seria o quarto no colégio, vi e ouvi ratos e fantasmas, aranhas e sapos monstruosos, enfim tudo o que minha imaginação de criança criou de negativo em um colégio interno.
Não suportando aquelas imagens, resolvi levantar e ir ao quarto Flávio e Hermes, que neste momento conversavam baixinho sobre nossa breve viagem . Como se estivessem sido escalado para uma luta sem arma.
Cheguei no quarto. Ambos me olharam. Calaram o silencio era a único testemunha de nossa aflição, fui a primeira a falar . Disse que fugiria do colégio na primeira oportunidade. Flávio falou que seria pior pois se eu fosse pega seria castigada, Hermes o mais novo concordou comigo. Mas foram planos sem recursos, pois nossos pais decidiram e ninguém atreveria mudar.
E setembro chegou. Na manhã mais linda que a primavera podia ofertar. Vi borboletas passeando entre as flores, vi meus irmãos de calças curtas azul marinho, cabelos cortados, perfumados... e olhos tristes. Lembro que naquele momento senti vontade de abraçar minha mãe e pedir que não nos mandasse para o internato, olhei papai, seu bigode pareceu mais escuro o chapéu parecia menor, dando um aspecto de militar. Todas essas impressões foram rápidas, meus olhos corriam em todas as direções e não resisti a tentação de assustar os cavalos da charrete com um grito. E pela última vez recebi um puxão de orelhas de minha mãe, a mais mulher mais linda que meus olhos já haviam visto. As flores da fazenda pareciam brilhar, olhei a mangueira, seus frutos estavam se preparando para fartas mangas, e na serra, uma nuvem se formou num grande bruxa sentada numa vassoura. Senti medo.
A viagem foi calma, quando a charrete virou a curva, olhei para trás, e me surpreendi achando engraçado Ter que ir embora para a cidade, deixar a fazenda, os rios, as pedras, os pássaros e...mamãe e papai. Cantarolei uma canção sertaneja que ouvia do Seu Mané: “não oh gente, o não luar, mais lindo que no sertão...”
Meus irmãos nada falavam, Hermes tinha apenas oito anos, e encostou a cabeça em meus ombro, Flávio cantarolava uma canção que tio Jarbas tocava na gaita nas noites de verão: manhã, tão bonita manhã... no céu uma nova canção.. E uma vontade de chorar afogou minha garganta e o sol sorridente parecia me chamar de teimosa, não havia outra solução.
Chegamos na cidade, um carro já nos esperava. Entramos e já até conversava com meu irmão, quando o chofer parou na porta de um colégio que parecia um convento. Dei a mão para meus irmãos para descermos, e minha dor foi maior quando o chofer falou, que aquele colégio era só de meninas, que o de meus irmãos era em outra cidade. Foi uma decepção tão grande que experimentei o gosto do ódio e chorei. Mas um choro de ódio, e vontade de vingança. Lembro que não houve despedida, o carro foi embora, meus irmãos não olharam para trás, a distancia foi aumentando, e vi o carro se perder pela alameda de árvores que pareciam um túnel. Um freira, muito pálida segurou minha mão, e sem olha-la segui levada para aquele mundo já formado em minha mente, um novo mundo.
Durante todo o dia nada comi, as atividades foram recreativas mas não participei de nada. A noite fui conhecer meu quarto, éramos dez ao total. As camas eram muito arrimadas, deitei sem nada falar, e a solidão foi mais verdadeira e pesada. Pela primeira vez, questionei o motivo que me mandaram para lá, será que foi as artes que fazia ou porque caçava borboletas ou pôr Ter libertado o sabiá, Deus havia me castigado. Fiz muitas perguntas na escuridão da noite, e não recebia resposta. Apenas o vento soprando nas cortinas arredondadas do quarto, pareciam querer assustar-me.
Foram dias horríveis, não sabia escrever cartas, a freira lia uma vez ou outra um breve bilhete de minha mãe ou de papai, sempre com recomendações, nunca de saudade, sentia raiva.
Chegaram as férias de janeiro, fui para a fazenda, ao encontrar meus irmãos, rimos muito. Aqueles meses nos amadureceu, fiquei mais calada e meus pais nos acharam educados, não sabiam que era dor das perguntas não respondidas, a dor da saudade, da internação sem explicação para nosso entendimento.
Nada fizemos de interessante nas férias, nem travessuras, estávamos tão doloridos, que até o diálogo foi diminuído. Nós ficávamos na varanda, silenciosos, de vez em quando nossos olhos se encontravam e um sorriso sem graça cortava o silencio.
Chegou o dia da partida, não foi como da primeira vez, pois já sabia como chorar, sabia apenas que não tinha outro jeito. Ouvi minha mãe dizer que no dia seguinte iria passear na Europa. Perguntei onde ficava a Europa, ela disse que era muito longe. Em meus pensamentos, senti pena dela, será que ela iria sentir medo?
Passaram seis anos. No meu aniversário recebi uma carta de meus irmãos, fiquei feliz, fui para o banco do jardim ler a carta, era setembro, muitas flores, o sol parecia saudar com raios coloridos nas folhagens. Estava lendo e rindo de felicidade, de calma, nem sei explicar, quando ouvi um assobio, levantei os olhos, vi no portão um rapaz segurando as grades do colégio. Senti vergonha, mas continuei a olha-lo e aproximei dele, nem me preocupei se alguém me olhava. Ao chegar perto, falamos um pouco, coisas banais. Ele prometeu voltar no dia seguinte. Mas para nosso azar choveu muito e fiquei presa na sala de recreação.
Todas as tardes corria até as grades esperando aquele rapaz meigo, mas sem nome.
Foi numa manhã, meu coração disparou quando ouvi no som de uma gaita a música que flávio cantarolou no dia de nossa viagem; ...manhã, tão bonita manhã, no céu uma nova canção...” estava no banco, olhei para o portão num misto de alegria e medo entrelaçamos nossas mãos, chovia, pingos de chuva cristalinas nas flores, unimos nossos lábios num beijo com sabor de chuva e felicidade. Soube seu nome. Isac, uma proposta de fuga de uma liberdade serena e a tentação de ver a vida de ver outras pessoas, de não mais ouvir lamentos das colegas novas que chegavam, dos deboches das veteranas. A direção ficou sabendo de nosso namoro, fui punida, fiquei sem recreio, meus pais foram chamados no colégio. Prometi nunca mais encontrar com Isac. Na hora do recreio era vigiada pela freira inspetora. Até que um dia uma colega chegou em minha carteira e entregou um bilhete, Isac marcava um encontro de madrugada no portão. Esperei com ansiedade a noite chegar, a freira fez a última revista no quarto, fingia dormir, quando o silencio chegou junto com a escuridão do quarto, levantei e fui abrindo portas destrancadas, ria a cada passo vencido, cheguei no jardim, ouvi a gaita, cheguei no portão, as grades imensas, ficaram reduzidas diante nossa paixão, de camisolas longas, subi com sua ajuda as grades, tarefa fácil para quem viveu na fazenda, nesse momento senti alguém puxando a ponta de minha camisola, era uma freira inspetora a mais rígida, chutei suas mãos, agarrada em meus pés, Isac tentava distraía, mas ela dizia que chamaria a polícia, meus esforços estavam sendo inúteis, estava enfraquecida, fazia força, já quase em seus braços, dei um empulso, cheguei mais no alto, nesse momento ouvi a sirena do colégio,
as freiras correndo pateticamente pêlos jardins de camisolões, Isac gritava ansioso, força, Liza, vai conseguir, não desista, já desistindo, gritei, gritei toda minha raiva, e todo o amor pôr Isac, segurei na lança da grade que entrou em minha mão, o sangue misturado com minhas lágrimas, a freira, segurava meus pés, e pulei para fora, ia descendo a grade e as freiras agarravam-me eu ia descendo já pelo lado externo, Isac amparou-me e já em seus braços, em frente as freiras, num longo beijo, selamos nossa liberdade, a madrugada testemunhava nosso amor, sob as súplicas e ordens das freiras, fomos nos afastando abraçados, agora nossos passos foram deixando as promessas de punições das freiras, sumimos na escuridão da noite, desci pela primeira vez as ladeiras da rua, antes só de carro.
Isac estudava medicina, passamos muitas dificuldades para nos esconder, mas seus pais nos apoiavam, conheceram minha história. Casamos, tivemos dois filhos, coloquei o mesmo nome de meus irmãos. Tinha alguns contatos com meus irmãos, soube uns anos depois que eles se formaram e se casaram. mas raramente nos víamos, mas sinceramente o internato nos separou profundamente. Estou criando meus filhos tão unidos como fomos. Jamais os separarei. Perdoei meus pais, mas nunca mais voltei na fazenda, nem dei meu endereço para eles.
Lira Vargas.


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