Foram tempos duros e difíceis. Quanta saudade dos gritos e aplausos da torcida! Mais que um craque ou ídolo, um herói de muitas batalhas. Disciplinado, jamais teve problemas com dirigentes ou técnicos. Simples e simpático, sempre foi muito querido pelos demais atletas. Venerado pela torcida.
E sempre fez por onde. O primeiro a chegar e o último a sair. Orgulho do preparador físico. Até escurecer, sempre treinou faltas com os goleiros reservas. A repetição trouxe a perfeição. Na entrada da área, adversário não encosta, pois falta dalí é pior que pênalti.
Nunca soube o que era má fase. Atento aos mínimos detalhes, jamais se descuidou. Mesmo quando veio de parado. Operou menisco e sofreu muito. Superou-se durante o terrível tratamento. Na reestréia, entrou no final do jogo e decidiu a partida. Glória total.
A vida sempre pareceu a extensão do campo. Equilibrado, tranqüilo e feliz. Um pouco diferente dos demais. Nada de badalação. Bom aproveitamento nos estudos. Paixão pela música e pela literatura. Na concentração, sem adversários no jogo de damas ou no xadrez, não fazia feio na sinuca ou no totó.
Conheceram-se por acaso. Ela nem se ligava em futebol. Achava que ele era um intelectual, cientista, técnico ou artista, jamais um desportista. A paixão foi fulminante.
Iniciado o romance, melhorou em tudo. Mas não durou muito. Pouco a pouco já não era a paixão que lhe tirava o apetite, o sono e a concentração. Era algo indefinido. Não sabia o que faltava à sua vida amorosa. É certo que as viagens, a concentração, os treinos, tudo isto era um estorvo. Mas havia algo mais.
Habituado a ser o melhor, começou a sentir-se inseguro. Apenas queria saber amar. Sempre e cada vez mais. Seria capaz? Como descobrir os desejos da amante? Realizar sonhos e fantasias. Integrar-se à essência da mulher para completá-la. É necessário muita inspiração, paciência e dedicação. Só com imensa motivação. E o cotidiano joga no time adversário.
Com a bola sempre foi fácil. Intimidade total e absoluta. Nos pés a habilidade de mãos de jardineiro. Cada gol uma obra de arte. A interação com os companheiros. O domínio do adversário. A sintonia com a torcida.
Fora das quatro linhas, a complicação. Em campo, o reflexo: passara a jogar sem a garra costumeira, parecia ter ficado no vestiário. E o pior, não importava mais. Até ser substituído sob vaias. Mordido, buscou a recuperação.
No amor é preciso antever, instintivamente, o lance genial. A tranqüila segurança do goleiro. A viril disposição do zagueiro. A aplicada técnica do armador. A criativa capacidade de decisão do goleador. Muita aplicação tática: sem suar a camisa, craque nenhum vence o jogo, no qual o empate é consagrador.
Cada peleja realimenta a energia propulsora e dá a tarimba suficiente para descobrir que não tem dia de treino, todo jogo é decisão de campeonato. Decisão em que árbitros ou platéia inexistem ou nada valem.
Sem pontos corridos, saldo de gol ou tabela de classificação. Nada de repescagem ou melhor de três. O jogo do amor é a vida que não imita o esporte ou a arte. E este jogo ele perdeu.
Recuperou-se no futebol. Voltou a ser ídolo e herói. Entretanto, às vezes lembra que queria apenas saber amar. Ter a mulher que o escolheu, acolheu e o tomou todo para si. E, nesta plenitude, como existir, senão para o amor? Apenas a necessidade de amar, sem a coação das leis, moral, costumes ou, principalmente, a pressão da torcida.
Manoel Carlos Pinheiro
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