Idelfonso Salustiano era um cara inteligente.Morador do Sítio Ramada, município de Sussuarana, onde aprendera apenas as primeiras letras, Tino, como ficara mais conhecido entre a sua gente, era o matemático da comunidade na hora em que algum dos seus habitantes necessitava fazer uma operação mais complicada. Mas, dos conhecimentos adquiridos nos bancos escolares, o que lhe rendeu mais prestígio foi, sem dúvida, o da leitura.
Tino lia a bíblia, impecavelmente. Quando o fazia causava inveja a muita gente do ramo. Mas, ele atingia o apogeu da admiração popular, quando era solicitado para fazer a leitura de poesia de cordel. É que muitos agricultores que frequentavam a feira de Sussuarana, sempre adquiriam os folhetos de cordel. Aos sábados durante a noite e à luz de lamparina, lá pr as bandas da bodega de Zé de Pina, bem como, nas manhãs domininqueiras, à sombra de um frondoso pé de castanhola, eram entregues a ele (imaginem!)dezenas de cordéis para que fossem lidos. Ao seu redor, em augusto silêncio, se aglomeravam de 30 a 40 pessoas para ouvi-lo. E Tino fazia com a maior das satisfações. E para satisfação maior dos seus ouvintes, ele cantava cada verso do folheto.
Foi devido a essas atividades que Tino virou poeta. Improvisava estrofes engraçadas e poetava, na pena, as belezas da comunidade. Assim, ele conseguiu levar o seu nome às áreas circunvizinhas. Por isso, conhecendo e deslumbrando pessoas, ele terminou por ingressar na política. Candidatou-se a uma das sete vagas da Câmara Municipal "Arquimedes Negreiros" e conseguiu se eleger como o vereador mais votado de toda história política de Sussuarana. Logo na primeira legislatura se fizera presidente daquele poder. Ganhou notoriedade pelos seus pronunciamentos e posicionamentos. Seu futuro político corria a galope de corcel. Já na campanha seguinte candidatava-se a prefeito, sendo eleito por grande vantagem.
Mas, foi como prefeito que Idelfonso Salustiano desandou. Começou a ser assediado por deputados, prestigiado por governador, a fazer amizade com tudo quanto era de prefeito desonesto para, daí, passar a adquirir aqueles hábitos próprios dos prepotentes e corruptos, a ponto de transformar a sua cadeira de prefeito em espécie de trono. Sem ouvir amigos, sem atender a população carente, sem fazer a mais simples reflexão sobre as críticas da oposição, a sua administração foi um verdadeiro desastre. Cidade suja, funcionalismo em atraso, serviços de saúde e educação, prestados pela prefeito, de péssima qualidade, cheques pre-datados na mão dos agiotas, a verdade é que a cidade vivia um cáos administrativo.
Porém, um fato chamava a atenção de todos: o prefeito estava rico. Riquíssimo. Casa confortável e luxuosa, carros zerados na garagem, saldo bancário, extraordinariamente, favorável, família morando na capital e uma belíssima fazenda com 800 cabeças de gado. Tudo isso a custa de muita roubalheira. E nada disso afetava a consciência de Idelfonso Salustiano. Ele vivia tranqüilo como se não fizera nada de errado. É que a maioria dos políticos achava que roubar dinheiro público, "roubar do governo é como quem rouba em jogo de cartas."
Aproximava-se o final do mandato e, com ele, o aparecimento de pedintes de dinheiro e de favores. Para estes, o prefeito repetia sempre a mesma coisa:
-Infelizmente, eu não posso. A prefeitura não dispõe de uma só "ruela".
E se virando, com ares de ofendido, para um pequeno grupo de bajuladores:
-Vocês viram aí, que povo mais incompreensível? Olhem aqui, nunca mais na minha vida eu vou querer ser prefeito...se Deus quizer!
E fazia questão de repetir sempre com mais ênfase:
-SE DEUS QUIZER...SE DEUS QUIZER... prefeito jamais, jamais!...SE DEUS QUIZER!
A sua popularidade estava tão em baixa que, chegada a eleição ele não apoiou, sequer, qualquer candidato. Ou melhor, nenhum dos candidatos quiz o seu apoio. Todos eles se esforçavam em denotar que não tinham nenhuma aproximação com o atual prefeito.
Tino concluiu o mandato e foi tomar conta da sua fazenda. Com um bom saldo bancário e um excelente rebanho bovino, não foi difícil administrar. Ao contrário da prefeitura, ele tinha grande amor e maior zelo pela fazenda. E tudo teria ido muito bem se não fora, decorridos três anos, Tino haver botado na cabeça a vontade de ser prefeito por mais uma vez. Como ele no município era o único que dispunha de condições para bancar uma campanha política, achava que ganhava, facilmente. E começou a gastar dinheiro. Zerou a conta bancária, vendeu o gado e a casa da capital. Ficou apenas com a casa de Sussuarana e a fazenda sem qualquer animal. Para completar o desastre, Tino perdeu a eleição e teve que vender, posteriormente, a casa e a fazenda para saldar débitos de campanha.
Passados alguns dias, Idelfonso foi visitado por um daqueles pedintes mal-atendidos:
-Bom-dia, sei Tino.
O ex-prefeito respondeu:
-Bom-dia, o que deseja?
E o pedinte:
-Eu vim saber se o senhor já resou pela graça alcançada!
Ao que o prefeito indagou:
-Graça alcançada?...mas, que graça alcançada é essa?... eu não sei do que o senhor está falando!
Mas, o pedinte insistiu:
-Sabe, sim, senhor!...não tá lembrado, não?... o senhor pediu a Deus pra nunca mais ser prefeito. E como o senhor foi derrotado... o senhor acabou alcançando uma graça.
Foi, então, que, sentindo o deboche e a vingança que fugiam dos lábios do pedinte, o prefeito, aos gritos, expulsou-o da sua casa.
FIM
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