Arrumou as malas e foi embora. Não esqueceu de bater uma punheta antes para a esposa que amou durante quase 15 anos. O filho e a filha lembrarão dele como um pai que sempre os levava para passear, para comer no McDonalds, como um pai que um dia abandonou todos e deixou, como um grande clichê, uma carta na cama ao lado da esposa.
Camila, ela já não era a mesma, o corpo já estava ficando flácido... estrias, as celulites, eu a desejava na época em que éramos jovens e fazíamos musculação. Claro que eu também deixei de cuidar do meu corpo, o chopp me trouxe a barriga, o tédio e o vazio dos fins de semana me trouxeram uma tristeza à minha face e me deram um vício ao cigarro.
Mas o que eu posso fazer? O que eu posso dizer? Que não sinto mais tesão por Camila? Que eu não amo meus filhos como eu deveria? Que eu não tenho dinheiro suficiente para cuidar da minha família?
Vou até o quarto de Sarah, minha linda filha de 5 anos, cabelos loiros escorrem pelo travesseiro, sua respiração gostosa, ah filha... que saudades. Um beijinho do papai e até mais. Os tempos passam e pessoas que a gente gosta vão embora mesmo, sempre acontece.
Mateus meu querido filho, tão inocente em seus 8 anos. Passeios ao parque, brincadeiras no trenzinho, festas de aniversário, sorrisos na praia... Queria muito levá-lo para jogar em um time de futebol e vê-lo crescer, vê-lo tornar um rapaz bonito e confiante. Mateuzinho, como você puxou a mãe hein?! Adeus, meu filho.
E abro a porta de casa, não quero mais sentir o cheiro da casa, não quero mais ouvir o barulho das crianças, não quero mais trepar com Camila, não quero mais sentar na poltrona, ler Camus ouvindo Miles Davis, não quero. Não quero mais.
Um vento esfria meu rosto e me preenche de esperança, de confiança. Foram 15 anos. Dou alguns passos para fora da casa, fecho a porta e continuo a andar pela rua, a triste sensação de liberdade e de abandonar algo com que já se está acostumado. Continuo a andar e não sei para onde devo ir, para casa de qual amigo e o que explicar à ele quando chegar lá.
Essa é a nona vez que eu saio de casa, e, como sempre, eu sei que vou voltar pela noite depois de ouvir as vozes dos meninos e o choro de Camila. Minha família, meu lugar. |