UM CARRO VERMELHO RASGANDO A ESTRADA
Se olharmos lá de cima, desde muito longe, de um avião, talvez, as coisas são menores, menos importantes e mais belas. Por isso sempre me imagino saindo do meu corpo, me afastando, alcançando as alturas e percebendo, num instante fecundo, como a vida é mais simples, mais tranqüila e estática do que parece.
Naquela manhã, quando entrei na estrada, pisei no acelerador e senti o motor roncar com força. O carro não era novo, porém com certeza rodaria uns trinta mil quilômetros, até mais , antes de entregar-se.
O radio derramava uma música que grudava na língua, a estrada estava livre e o dia se iniciava esplendoroso. Ia trabalhar. Era segunda-feira e tudo recomeçava. Da minha casa até o centro demorava uns quinze minutos. Era um lapso que passava voando ou demorava uma eternidade. Tinha tudo a ver com meu estado de animo. As vezes desfilava, bem na minha frente, quase toda minha existência. Conseguia me ver pequeno, adolescente, correndo apavorado na frente do cavalo preto; beijando alvoroçado os lábios proibidos da minha prima Gabriela. E os tanques de guerra, os soldados atirando nas portas, nas janelas, sem saber se morria alguém do outro lado.
Naquele inicio de semana, uma coceira esquisita invadiu minha alma. Uma vontade louca de romper a rotina, os esquemas, a ordem natural das coisas. Foi crescendo aquela sensação efervescente, tomando conta dos meus pensamentos, até que soube, exatamente, o que deveria fazer.
Passei pela primeira entrada e não me perturbei. Na segunda entrada acelerei. Não queria sair da estrada. Pisei fundo e o carro rugiu com alegria.
___ Tchau!- gritei e vi que o futuro não existia. Somente podia contar com o presente. Nada mais.
___ Tchau!- berrei e me senti livre, enquanto me afastava da cidade, do meu trabalho, da minha casa, de tudo.
Se alguém olhasse desde daquele avião que passava, perceberia simplesmente um carro vermelho avançando lentamente, sem imaginar que muitos destinos estavam mudando. Principalmente o meu.
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