_Como você foi apaixonar-se pela Clara? O amor é cego mesmo!
_Nossa Cláudia, obrigado!
_Desculpe-me, é que não me conformo, ela é totalmente fora desse mundo, ela...
_Chega, é melhor você parar, senão vamos brigar. Eu sabia que não devia apresentá-la a você.
_Tudo bem, perdão mais uma vez, mas conta de novo como vocês se conheceram, é muito engraçado.
_Tudo começou quando eu fui sozinho ao cinema numa tarde de sábado. O filme muito comentado lotou a sala, mas eu acabei dormindo. Que filme chato aquele! Quando acordei tinham acabado de acender as luzes. Foi então que reparei numa menina, a me observar com um sorriso maroto, lindo!
Ela ficou sem graça quando acordei e foi indo embora apressada, fui atrás sem saber o que iria dizer, mas a perdi de vista. Decepcionado peguei o ônibus e quando estava quase passando pela catraca eis que vejo-a na calçada do outro lado. Não titubeei, pedi para o motorista deixar eu descer e fui tentar falar com ela.
Ela andava muito rápido e parou num ponto de ônibus, gritei como um louco quando a vi fazer sinal para um veículo, mas ela subiu e eu fiquei ali ofegante e irado. Naquela noite não dormi, os cabelos ruivos, o rosto dela, aquele sorriso não saíam da minha mente.
Um mês depois,estou no parque do Ibirapuera e quem é que passa por mim de bicicleta? A garota ruiva! Começa a correria mais uma vez. E eu:_ Ei! Espera um pouco, ei! Eu preciso falar com você...
Desabei quase morto no gramado, só vendo a bicicleta sumindo entre as árvores. Fiquei o dia todo perambulando pelo parque e nada da garota aparecer!
Já no ônibus, voltando para casa e reclamando da má sorte, começaram a entrar algumas pessoas e precisei esfregar os olhos umas vinte vezes, pois não pude acreditar quando ela, ela mesmo, passou pela catraca e veio na minha direção!
Mas não me viu e sentou-se bem na minha frente!
Comecei a rezar para que nenhum outro imprevisto ocorresse.
Tomei fôlego e sentei-me ao seu lado, ela olhava pela janela e nem se mexeu. Eu disse:
_Oi.
Nada.
_Oi, será que podemos conversar?
Nada. Comecei a suar frio.
_Meu nome é Mauro, eu estava no cinema aquele dia...
Nada. Ou melhor, ela espirrou e o vidro ficou embaçado.
_Saúde!
Nada. Parecia que estava em transe!
De repente ela se voltou para mim e deu um pulo assustada, eu quase cai no chão.
_Desculpe-me, eu não queria assustá-la.
Ela passou por mim, foi correndo até a porta e fez sinal para descer.
Fiquei atônito, comecei a procurar algo de errado em mim, na roupa, nos sapatos. Fui atrás dela quando o veículo parou, passei por ela e estanquei bem na sua frente:
_Calma, eu não vou te fazer mal, juro, só queria conhecê-la, perguntar o seu nome, dê-me um minuto ao menos?
Seus olhos marejaram e o meu coração ficou apertado, mais um fora e acho que adoeceria naquele instante!
Finalmente acalmou-se, enxugou uma lágrima e lentamente, começou a fazer gestos com as mãos.
Foi um choque, ela era surda-muda! Percebendo a minha surpresa, começou a andar novamente.
_Espera. Peguei-a pelo braço e num gesto intuitivo coloquei uma de suas mãos no meu coração que estava super acelerado, olhei bem nos seus olhos e ela sorriu. Eu sorri também e o resto, Claudia, você já sabe.
_É Mauro, retiro o que eu disse a pouco, o amor é mudo.
Marcel de Alcântara
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