Liu Zongyuan – 773-819, China
Não havia jumentos em Guizhou, até que alguém pôs um num barco e o transportou para lá. Porém, não sabendo bem o que fazer com ele, deixou-o solto nas montanhas. Um tigre, ao ver aquele bicho disforme, pensou que fosse um ser divino. Primeiro, bem escondido, observou-o atentamente. Depois ousou aproximar-se, mantendo ainda uma respeitável distância.
Um dia o jumento zurrou. O tigre se assustou e, com medo de ser mordido, fugiu apavorado. Mas voltou para dar mais uma olhada e decidiu que a criatura, afinal, não era assim tão temível. Acostumando-se com os zurros, chegou mais perto. Já colado praticamente no outro, e agora tomando muitas liberdades, o tigre passou a azucrinar o jumento com repetidos avanços. Esse, enfim, perdendo a paciência, deu-lhe um coice.
“Ah, pois então é só isso que ele consegue fazer”, pensou o tigre entusiasmado que, ato contínuo, pulou sobre o jumento, cravou-lhe os dentes no pescoço, devorou-o o quanto pôde e prosseguiu o caminho.
Pobre jumento! Seu tamanho lhe dava uma aparência de força, seu zurro inspirava medo. Caso ele não tivesse mostrado tudo de que era capaz, o tigre, apesar de tão feroz, provavelmente não teria se arriscado a atacá-lo. Mas tal foi, lamente-se, o intempestivo fim do jumento.
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