Usina de Letras
Usina de Letras
153 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62336 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22543)

Discursos (3239)

Ensaios - (10409)

Erótico (13576)

Frases (50720)

Humor (20055)

Infantil (5474)

Infanto Juvenil (4794)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140849)

Redação (3313)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6222)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->A víbora e a muriçoca -- 16/11/2000 - 23:25 (Mauro de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A V Í B O R A E A M U R I Ç O C A

A Víbora morava no quarto andar de um espigão no bairro nobre da Boa Viagem. Órfão de pai e mãe, tinha tristes recordações daquele dia infeliz.
A madame, histérica, ordenava a sentença de morte para toda sua família. Escapara por milagre; pai, mãe e irmãos foram massacrados pela empregada. Naquela noite fugira para o prédio vizinho da casa e começou a escalada à procura de guarida: o primeiro andar estava fechado, no segundo morava um pervertido, alcoólatra, que trocava de mulher como se trocava de carro no tempo do Delfim Neto. A mulher do momento, embriagada, deu um escândalo e a Víbora seguiu sua viagem para o andar superior. - Ninguém compreendia sua função no mundo. Nas divagações chegou ao quarto andar.
Na varanda seu futuro amo e protetor deixou que a pobre Víbora entrasse sem escândalo e sem histeria, pelo contrário, deu graças a Deus que a comedora de muriçocas chegasse. Pode-se até dizer que facilitou a burocracia para a nova inquilina.
Com o tempo começou a fazer jús à pousada, não deixando, na medida do possível, que as pernilongas incomodassem seu protetor na leitura noturna. Aprendeu a viver na humildade, consciente da discriminação contra sua espécie. Não desprezou porém a sua inteligência e, procurou usá-la para sobreviver.
Observando o mundo cão daquela varanda, passava as noites a imaginar, enquanto nutria seu estômago com muriçocas menos avisadas. Sentia-se feliz quando ouvia seu protetor comentar a infelicidade do mundo: uns com fome e sem dinheiro, outros com dinheiro e sem poder comer, vivendo de remédios; ali um casal que chorava por que não tem filhos, aqui, que brigava por que os tem demais. Enfim, chegou à conclusão de que à felicidade é um estado de espírito. Temos que aproveitar a adversidade como lição para podermos dar valor a felicidade. Sentiu que se tudo fosse fácil e sem problemas, não poderia gozar a felicidade total.
Em sua vida tranqüila e filosófica podia, aqui e ali, captar os pensamentos de seu amo. O mundo de hoje era cruel e infame. Desaparecera o conceito de família. Os motéis fazem imensas filas e nåo chegam pra quem quer, os jovens dedicam-se aos tóxicos como forma de auto-afirmação, as mulheres pra frente confundem liberdade com libertinagem, os políticos confundem política com politicagem. A ganância, o dinheiro, o poder, fazem os ricos mais ricos e os pobres mais miseráveis. A fraternidade, o heroísmo por erotismo, enfim, a Torre de Babel está subindo, o desentendimento aumenta e, ninguém sabe onde vamos parar.
Na sua vida pacata apenas uma figura a incomodava: uma muriçoca bem treinada e de família nåo muito recomendável vivia trocando de parceiros, desprezando as leis da sociedade. Irritava a Víbora com pinicadas e ainda fazia comícios. Costumava tomar seus pileques na pele do casal do segundo andar. Gostava daquele sangue com whisky e, quando enchia a pança, ia abusar com sua inimiga mortal. Dizia a Víbora para cair fora, que sua espécie estava em extinção, etc, etc.
Certa noite chegou virada no diabo e disse: - Olha aqui inseto repelente, o mundo será das muriçocas. Nós já fazemos parte do Folclore brasileiro: Você vê campanha contra ratos, morcegos, cachorros, derrubamento de árvores, isso e aquilo; contra nós, nada. Nós somos como o AI-5, um mal necessário. Sabe que o Aurélio Buarque de Holanda vai terminar colocando no dicionário muriçoco e muriçoca? E você? Será sempre Víbora- macho e Víbora-fêmea. Sabe que o pobre nåo dorme mais sem a nossa canção? No começo usavam repelentes mas, do jeito que os preços estão agora, preferem uma picadinha e nosso canto mavioso. Fique sabendo que já fazemos parte do poder. O governo e o povo estão conosco. Casa sem muriçoca nåo é casa. Os alagados, as fossas, os esgotos entupidos, são reivindicações atendidas para nossa proliferação. E você, nåo arranja nada! Qualquer dia vou juntar uma turma da pesada para destroná-la. Vou pedir ao Presidente do BNH para que apartamentos financiados sejam, obrigatoriamente, dedetetizados, só para acabar com a sua espécie.
A Víbora ouvia serena como uma Coruja. Sabia que a carraspana de hoje passara da conta e que, dentro em breve, seu problema seria resolvido. A muriçoca havia descido, mais uma vez, para outro drink. Voltou pior e cambaleando, dizendo: - Antigamente, oh pestilenta, nós subíamos nos edifícios; hoje nós evoluímos: aprendemos a andar de elevador, subir no lado contrário ao vento, e nosso império nåo tem mais fronteiras. Nós já viajamos de Norte a Sul do pais em aviões, navios, ônibus, etc. e nåo pagamos, usamos sempre os coletores de lixo.
Aos poucos o álcool foi tomando conta do corpo e a muriçoca dormiu.
A Víbora, lentamente, medindo seus passos, aproximou-se calma, tranqüila. Transformou os problemas e ofensas em alimento e felicidade.

Nota: Conto inspirado em uma víbora que vivia na varanda do apt. em que eu morava em Boa Viagem. Ela era odiada pela minha mulher e minha cunhada.
Salvei-a muitas vezes da ira delas, escondendo-a atrás dos quadros.
Todas as noites ficava observando-a comendo insetos, enquanto lia alguns livros.

Mauro de Oliveira
Abril 75













Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui