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Contos-->Cena Comum de Periferia -- 09/12/2000 - 00:05 (Maria das Graças Lemos Andreatta) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A mulher fora chamada para batizar uma criança.
Subiu cento e oitenta degraus de uma escada irregular, sob forte sol e um vento sul mais forte ainda.
Lá no alto, dezenas de casebres se perdiam sobre a pedra, sem água, sem luz, sem chance.
Procura aqui e ali e encontra entre os becos e escadas um pequeno aglomerado de pessoas que falam alto mas entredentes. Algumas secam lágrimas e repetem:
- Foi a vontade de Deus. Ele levou. Ele deu e tem o direito de tirar.
A mulher não discutia tal questão embora não concordasse. Estava muito, muito cansada.
Será aqui? Não deve ser... muita tristeza.
Caminha mais, sobe mais, pula entre esgotos, cachorros feridos, doentes, gatos que se coçam, mulheres e crianças com latas d água na cabeça, gritos, bebês de nariz lambusado.
O estômago dói e se contorce com as cenas.
Ali um homem caído. Bêbado? - Não, "pilético ".
Galihas cacarejam sob os assoalhos e insetos variados desfilam por ali: baratas, pulgas, bichos de pé.
Pombos e urubus se alternam num vôo rasante: um, em busca de telhados, outro, à cata de animais mortos, restos de comida que saem pelos canos expostos.
Atrás de uma casa, numa poça de lama, flores, muitas flores... Alguém a chama.
Ela entra naquele barraquinho azul, limpinho, com móveis feitos rudimentarmente, panos limpos pelo chão aparentando tapetes, uma cristaleira antiga como uma herança e um caixãozinho de criança que se sobressai e brilha mais que o brilho das panelas amassadas penduradas nas paredes daquele único cômodo.
Ao lado do caixão, um homem bonito, limpo, olhos arregalados, pede que batize seu filho morto para que possa "entrar no céu"...
A mulher pergunta pela mãe.
- É o outo corpo lá em baixo, dona. Não cabia aqui. Batiza meu filho, morreu "aguado, de dilatação".
.................................................
A mulher tenta controlar as emoções, pede perdão à não tão santa mas amada Igreja e "batiza" aquele pobre mortinho sentindo que, de verdade, estava batizando o pai.
O caixãozinho é tão pequeno que a mulher o pega e começa a descida tendo como séquito o pai, um cãozinho triste e um bêbado inconveniente.
A cena é muda.
No outro casebre coloca o corpinho junto à mãe e convida a todos a rezarem. A oração é uma confusão de palavras e a cena é interompida às vezes pelos soluços do pai.
O caixãozinho azul parece brilhar.
A mulher desce a escada. Não tem lágrimas.
(Graça Andreatta)
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