Mãe,
hoje aqui sentada escrevendo à luz desta
vela que freme fraca a meu lado, penso em você, em quanto sofreu à luz de velas como esta.
Hoje, dezenove anos após a sua morte, sinto mais a sua falta do que naquela época poderia sentir. Era uma criança,não podia avaliar
a falta que faria.
Hoje, compreendo você, passo pelos mesmos problemas, amenizados um pouco pela evolu-
ção do tempo.
Hoje, sentada aqui nesta copa iluminada por esta débil vela, sinto você a meu lado, pen-
so que meu sofrimento, o menosprêzo de quem amo,
a falta de carinho, de atenção, a "guerra de ner-
vos", sim, por que isto é uma guerra de nervos, ter que calar; é igual ao seu, você passou por is-to e muito mais.
Hoje, tem televisão, tem o serviço, as amigas que fazem com que distraiamos um pouco.
Mas nesta hora solitária à luz desta
vela tão frágil, não há como deixar de pensar.
Por quê tem que ser assim?
Por quê temos que amar, desejar ser ama-
da?
Por quê nosso corpo sente tanta falta de
carinho?
Por quê mesmo depois de tantos anos de
convívio com o menosprêzo, não nos acostumamos a
ser menosprezadas?
Hoje mãe, dezenove anos depois, daria
minha alma para tê-la a meu lado para trocarmos
umas palavras e tenho certeza do quanto me ajuda-
ria.
Hoje mãezinha, tanto tempo depois, e co-
mo pedi que não se fôsse, sinto-me mais frágil, ca
da vêz mais frágil, mais necessitada de você.
29 de julho de 1980
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