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Artigos-->MEMÓRIAS DE UM PROFETA BÁVARO -- 18/05/2002 - 02:16 (Lindolpho Cademartori) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Memórias de um profeta bávaro



Por Lindolpho Cademartori







“As análises e previsões a respeito do futuro político do globo como um todo podem ser de vital importância para se alicerçar, mesmo que de maneira imprecisa e subjetiva, o decurso dos fatos.”









Há a história de um velho ancião da cidade alemã de Munique que, numa de suas sublevações megalomaníacas turbinadas por generosos canecos de cerveja, resolveu declarar-se um profeta político. Ocorreu nos ídilicos idos de 1928. O ambiente era, muito provavelmente, uma cervejaria mal frequentada da capital da Bavária. Os demais presentes, abismados com a declaração do velho bêbado, resolveram tirar um sarro com o pobre ancião: pediram-lhe que profetizasse sobre o futuro de Munique nos próximos cinco, quinze, vinte e quarenta anos. Ei-lo que começou:

- Eu profetizo que dentro de cinco anos, em 1933, Munique fará parte de uma Alemanha com cinco milhões de desempregados que será liderada por um ditador mentalmente doente e que será o responsável direto pelo assassinato de mais de seis milhões de judeus.

A platéia de bêbados rosnou um muxoxo de reprovação. O ano de 1928 estava sendo, de certa forma, bastante tranquilo e próspero para a Alemanha. O espectro do nazismo ainda era algo distante e improvável e a nação começara a se reerguer depois das inflações homéricas de 1922 e 1923.

- Então você há de calcular que, dentro de quinze anos, em 1943, a Alemanha estará imersa em desgraças. – disse, auspiciosamente, um dos bêbados.

- Nada disso. – respondeu o profeta. – Eu profetizo que, em 1943, Munique fará parte de uma Grande Alemanha, cuja bandeira irá tremular desde as planícies do Volga até Bordeaux; do norte da Noruega aos limites meridionais do Saara.

Abalroados pelo álcool, os bons alemães ovacionaram o velho ancião. Pode existir algo melhor do que ouvir aquilo que tanto a consciência quanto a própria mente regozijam e aprazem diante de?

- Podemos concluir então que, dentro de vinte anos, em 1948, a Alemanha será a maior e mais poderosa nação do mundo! – exclamou outro.

- Não. – replicou o profeta. – Eu profetizo que, em 1948, Munique fará parte de uma Alemanha que só se estende do Elba ao Reno e cujas cidades arruinadas terão recentemente visto sua produção reduzida a apenas 10% do seu nível em 1928.

Um dos bêbados despejou o conteúdo de sua caneca na cabeça do velho ancião e foi aplaudido pelos demais. Consternado, o velho profeta meio que esboçou um sorriso, o qual parecia tentar explicar a consistência de suas palavras de bêbado. Não surtiu efeito. Outro bêbado que, assim como os demais, eram totalmente descrentes em relação às palavras do profeta, resolveu levar adiante a sabatina de esculhambações:

- Logo, isso nos permite concluir que, dentro de quarenta anos, em 1968, nós estaremos totalmente arruinados, não?! – indagou.

Eis que o sorriso adquiriu forma e consistência no rosto ensebado e enrugado do velho profeta. Bateu com a caneca cheia pela metade no balcão e vaticinou:

- Completamente errado, caro compatriota! – exclamou. – Eu profetizo que, em 1968, a renda per capita real em Munique será quatro vezes maior do que a de agora e que, no ano seguinte, 90% dos alemães adultos irão sentar-se diante de uma caixa de madeira, num canto de suas salas de estar, que mostrará imagens ao vivo de um homem andando na Lua!

Foi a gota d’água. Os bêbados se dispersaram e deixaram o velho falando sozinho. Quem sabe ele não pediu outra cerveja e, bem provavelmente, desfaleceu na sarjeta um par de horas depois? Não que alguém se importasse. Não que fizesse alguma diferença ou, de fato, encerrou por fazer. Seria o curso dos fatos ilibado do dinamismo histórico? Definitivamente não.

Não deixa de ser muito interessante a maneira pela qual as coisas costumam se desenrolar, frequentemente contrariando a esmagadora maioria das previsões. A inferência, que pode até soar demasiadamente cética é, todavia, verdadeira. E, doravante, quando transcendida para o âmbito político, a contundência e espanto adquirem proporções exorbitantes e são capazes de deixar estupefatos até mesmo o mais eclético dos cientistas políticos. Quem poderia imaginar, na Alemanha de 1928, que o país estaria na lona um ano depois e que cinco anos mais tarde o álamo encravado no coração do Velho Mundo seria liderado por um maníaco egocêntrico e assassino? Ou que os mesmos alemães perderiam a guerra de 1939-1945? E, não obstante, que os americanos fossem tão retumbantemente humilhados no Vietnã e que o mesmo aconteceria com seus colegas soviéticos no Afeganistão alguns anos mais tarde? Ninguém. Ou quem sabe o velho profeta da Bavária?

Retorna-se, pois, à questão da imprevisibilidade histórica. Já dizia um renomado historiador que a História “é a mais vil e desgraçada de todas as ciências”. Logrou ele sucesso em sua afirmação e, verdade seja dita, eu, assim como ele, amo com veemência essa ciência “vil e desgraçada”, mesmo porque tudo o que a integra e consiste nada mais é do que o espelho do dinamismo social soerguido às custas de subjugações e dominações nem um pouco éticas ou politicamente corretas.

Em virtude disso, tornam-se suspeitas todas as análises e previsões a respeito do futuro do cenário político mundial até mesmo num curtíssimo prazo. O que se pode inferir, com plena certeza, a respeito do desenrolar dos enfrentamentos entre judeus e palestinos no Oriente Médio? Ou sobre o futuro político resultante das aética e maniqueísta realpolitik arqueada pelos Estados Unidos? Ou até mesmo sobre o protótipo autocrata de Fidel Castro e seus quarenta e três anos à frente da jóia do Caribe? Nada. Absolutamente nada cuja solidez seja ilibada de análises. Uma vez que se implicita certeza em determinada inferência, está livrando-a automaticamente das possíveis intervenções da dinâmica histórica. E isso, é mais do que sabido, é uma utopia. O que se conclui, todavia, é que as análises e previsões a respeito do futuro político do globo como um todo podem ser de vital importância para se alicerçar, mesmo que de maneira imprecisa e subjetiva, o decurso dos fatos. O mesmo não pode se dizer, entretanto, das “precisas” e “incisivas” análises de determinados cientistas políticos que, além de desempenharem mal o próprio ofício, ainda se julgam médiuns e videntes com mirabolantes poderes de se prever o futuro.

As assertações pessoais vêm à parte mas, bem, o que custa expô-las, uma vez que o espaço já foi por demais excedido e é bem verdade que três ou quatro linhas a mais não irão fazer nenhuma diferença? Deixem-me, pois, dizer: os acertos a respeito do futuro da dinâmica social costumam vir, mais uma vez à prova do inesperado e da incerteza, de onde menos se acredita. Como o que costuma fazer a diferença são mesmo as palavras acompanhadas de descrédito, hei de preferir posicionar-me ao lado dos loucos e dissidentes ideológicos. A propósito, acredito no ideário primitivo do velho profeta de Munique que, dir-se-á, foi, após seus controvertidos vaticínios, naturalmente, internado como louco.





Lindolpho Cademartori

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