Se a Camões muito devemos, a Dom Afonso Henriques deveremos muito mais. Sobre a perspicácia e sobretudo a determinação física do nosso primeiro rei, não é difícil concluir quanto audaz esforço foi necessário, em princípio, para se opor a sua mãe, e depois, para se manter firme em face do potentado espanhol, tomando ao mesmo tempo mais terreno ainda às mouriscas gentes.
Há dias, quando uma investigadora especializada em antanhas poeiras, autorizada pela entidade competente, se preparava para levantar a tampa da urna onde se presume estarem os restos mortais do nosso Conquistador, foi inesperadamente impedida de levar por diante um tal procedimento através de uma abrupta ordem da ministra da Cultura, sob a evocação de ser necessário um muito mais cuidado apreço para autorizar a operação.
A notícia saíu assim, tal como descrevo, na imprensa e na televisão, sem mais, o que achei estranho e desde logo me suscitou alguma matutação.
Ora, e se a investigadora, após a abertura da tampa fúnebre, além de térreo pó, nada mais encontrasse? Diacho, seria possível que a preciosa ossada de Dom Afonso tivesse sido roubada por algum necrófago espertalhão?!...
Ao deitar o ôlho sobre a pose da senhora ministra dá-me de imediato a ideia que a dita, quando cursava cultura, intervalaria as doutas aulas com uns históricos fuminhos que se esfumavam, êxtase dos sabichões hodiernos que, em nada acreditando, vivem exclusivamente à custa dos que ainda acreditam que fumo só há quando também há fogo.
Preveniu-se pois um eventual e precepitado anúncio da fuga de Dom Afonso Henriques para além dos ossos. Niquinho a niquinho, o nosso primeiro rei, quiçá com o desgosto cultural que inunda os seus súbditos hodiernos, terá dado o fora e torna-se necessário arranjar um outro esqueleto para fingir que o fundador da nacionalidade continua lá muito quietinho, com o avalizado parecer dos "entendidos", claro.
Estamos em 2006, ainda só vamos aqui e temos toda a eternidade para desaparecer por completo. Mas, oh... Demorará assim tanto tempo?!...
António Torre da Guia |