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Artigos-->BATUCADA DA VIDA - 3 -- 14/07/2004 - 13:35 (Marco Antonio Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Anja crescia, bonitinha, esperta e atenta ao mundo que lhe cercava.

Embora considerasse Bartira como sua mãe - assim ela a chamava - o fato desta manter-se bêbada diuturnamente, de algum modo afastava a garotinha. Torca era como um anjo da guarda para as duas, e Anja o chamava de padrinho.

As duas dormiam sob o viaduto da Praça da Sé, depois que as casas comerciais fechavam as portas começava o movimento de desvalidos, cada um arrastando consigo caixas e mais caixas de papelão, com as quais improvisavam abrigos para a noite.

Os poucos pertences estavam sempre à mão, embrulhados em sacos plásticos.

Assim acabavam as putas velhas, sem clientes, e assim começavam as putas novas, como deveria ser o destino de Anja.

Em breve deixaria a vida pueril de pedinte nas ruas do centro, e as aventuras de surrupiar os passantes distraídos pela atividade de profissional do entretenimento sexual.

Mas enquanto a vida não lhe cobrava um preço mais caro pelo seu simples existir, lá ia Anja, maltrapilha, suja e piolhenta, percorrendo com outros pivetes, as tristes ruas do centro velho da cidade, evitando a custo da presença da polícia, as ruas mais chiques de comércio, a Rua Chile e a Avenida Sete de Setembro. A Baixa dos Sapateiros era seu domínio, assim como suas adjacências.

Pedindo esmolas ela descolava uns trocados, dava uns espetos nos vendedores ambulantes de pastel e coxinha que ficavam na Praça dos Veteranos, e assim comia de vez em quando. O dinheiro angariado era entregue a Bartira, que quase sempre torrava tudo na cachaça, que também servia à pequenina, nas noites mais frias.

Torca ainda lhes oferecia comida em troca de trabalho, mas elas somente apareciam quando o negócio estava fraco.

Bater carteiras e cortar as bolsas das mulheres distraídas, notadamente das interioranas que passeavam na capital, era tarefa para os meninos mais velhos, mas os menores estavam sempre por perto para aprender as técnicas e algumas vezes se arriscavam a por em prática o que haviam aprendido. Por serem menos experientes, muitos acabavam apanhados pelas autoridade e desapareciam por algum tempo, depois voltavam ao convívio, com algumas escoriações e até fraturas, prontos para recomeçar, com mais cautela.

Mesmo com toda essa dureza de vida, a infância desses infelizes meninos e meninas ainda guardava espaço para um pouco da inocência que animava seus poucos momentos de descontração. Brincadeiras comuns, como pique-esconde e amarelinha distraiam as mentes e os estômagos nos longos sábados e domingos, quando aquela área da cidade ficava entregue somente aos marginais, pois sem comércio aberto, não haviam os transeuntes que poderiam lhes proporcionar uma esmola ou um furto qualquer. Os domingos eram ermos, envoltos nos perigos proporcionado pelos indivíduos mais malvados do grupo, que extravasavam suas angústias e despeitos sobre os mais fracos, em surras, estupros e até assassinatos.

Quando aqueles garotos e garotas conseguiam um dinheirinho extra, partiam como um enxame de moscas diretamente para a confeitaria que se situava no alto da ladeira da praça, lado a lado com a câmara de vereadores. Lá ficavam, com os rostos sujos colados na vitrine, olhando as tortas e bolos confeitados, tão coloridos, que estavam tão perto e significavam algo tão distante para eles. Esperavam a casa estar vazia para entrar, sem correr risco de serem enxotados pelos empregados do estabelecimento, que temiam a perda dos clientes diante de uma invasão dos pivetes. O dono mesmo já os advertira, que não venderia nada a eles se houvesse um pé de pessoa dentro da loja, mas quando estava vazia, aceitava aqueles pequenos clientes miseráveis, que compravam as bobagens que sempre encantam o apetite das crianças: Pirulitos e balas, marias-moles, broas, bolinhos e sonhos.

Mas naquele dia eles haviam tirado a sorte grande, pois numa lanchonete perto da Barroquinha uma mulher esquecera a bolsa, e os moleques, atentos a todos os movimentos, encontraram uma boa quantia em dinheiro. Depois de dividirem com os mais velhos, que sempre estavam por perto, sobrou um bocado de dinheiro, que um deles disse ser suficiente para uma festa de aniversário.

- Mas aniversário de quem? Perguntou um menininho quase nu, trajando apenas um sujo calção folgado.

- É o aniversário da Anja! Falou a menina mais velha do grupo, que começava a ganhar peitos e tinha uma afeição quase que materna pela pequena.

E lá se foram eles para a tal confeitaria comprar um bolo de aniversário - inteiro - para a festinha da Anja.

O dono da casa comercial estava lá, e ficou nervoso quando os moleques entraram, um tanto desconfiados, no recinto, mas a menina mais velha foi logo dizendo: "Eu tenho dinheiro aqui, moço. Queremos comprar um bolo inteiro, um bolo de aniversário."

O homem deu um sorriso meio sarcástico e perguntou se eles sabiam quanto custava a iguaria que desejavam adquirir.

Para surpresa do sujeito, o dinheiro dava, e ainda sobrava, mas ele quando viu o quanto aqueles meninos carregavam falou com ar de reprovação: "Vocês andaram assaltando um banco?"

Dali a alguns minutos, os meninos saiam da confeitaria carregando um bolo enorme, todo confeitado de glacê de açúcar, cor-de-rosa, com os dizeres "Feliz Aniversário", para festejar o suposto nascimento da pequena Anja, que nem sabia exatamente quando nascera nem quantos anos tinha.



Continua!



E-MAIL: maanmabe@pop.com.br
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