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Artigos-->BATUCADA DA VIDA - 2 -- 12/07/2004 - 13:49 (Marco Antonio Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A manhã veio encontrar Bartira com uma tremenda ressaca, enquanto a pequena, encolhida em meio aos trapos sujos de sangue do parto, mexia pra lá e pra cá, possivelmente também de ressaca.

Os estômagos das duas, verdugo implacável, cobrava a sua paga diária.

Bartira olhou para o colo e se assustou.

Não lembrava de muita coisa, pra dizer a verdade não lembrava de nada, mas aquela criaturinha em seu colo, chupando dedo como forma de disfarçar a fome, encheu seu coração de piedade e afeição.

Bartira não conheceu uma vida afetiva.

Na infância vivia no sertão do Ceará, numa família pobre e numerosa. Afeição era um luxo, assim como a comida.

Sua mãe, já muito velha quando ela nasceu, não tinha mais paciência para cuidar dela, transferindo a tarefa para a filha mais velha. Depois de alguns anos, cansada da miséria que não oferecia nenhuma perspectiva de vida, pois dos vinte e oito irmãos, treze já haviam morrido quando ela fez doze anos, Bartira fugiu com o pessoal de um circo mambembe que passara pelo lugar.

Do início de sua jornada até aquele momento, passara toda sorte de privações, com as quais já estava acostumada desde o berço, e fora alvo de humilhações e perversidades cometidas por tantas pessoas, quantas cruzaram seu caminho.

No entanto ela guardara no coração um punhado de compaixão e amor, aprisionado desde que era criança, por conta de uma cadelinha que fizera a alegria dela e de seus irmãos, até o dia em que, sem nada para comer, a cadelinha foi parar na panela para matar a fome da família.

Ninguém queria comer a bichinha, mas quando o estômago falou mais alto, o coração obedeceu e as lágrimas de desconsolo das crianças cederam lugar à conformação pelo flagelo e o agradecimento por poder viver mais um dia.

Esse amor aprisionado no coração da Bartira agora quase a afogava, em grandes soluços que não conseguia conter.

Abraçou a pequena criatura e apertou-a contra o peito, enquanto deixava a cabeça vazia das grandes preocupações e se atinha apenas no amor que transbordava de sua alma e parecia vivifica-la naquele mágico instante.

Ela jogou fora a garrafa vazia e se levantou com alguma dificuldade e carregou dali a pequena garotinha, ainda sem nome.

Mais adiante, num boteco perto da Praça da Sé, entrou e foi logo fazendo a algazarra.

- Torca, olhe aqui o que você me fez!

- Sai pra lá véa vagabunda!

Torca era como atendia o velho português chamado Torquato. Grande coração, sempre trocava uns serviços domésticos de Bartira por um prato de comida, quando ela não descolava um cliente na zona.

Agora que ela estava ficando velha, isso se tornava quase rotina.

Vez ou outra o Torca, bem mais velho que ela, se arriscava a dar uma com a velha puta, mas era só pra aliviar, pois ele não tinha vontade de substituir a falecida esposa, Carmela, do seu coração e de sua casa, Mas quando viu Bartira agarrada com aquela recém-nascida, ele se assustou.

- Tais a ficar louca, ó Bartira? Qué qui tu faiz com esta pequerrucha nas mãos?

Ela não sabia de fato, mas agora estava feliz, pois aquela era a primeira vez que segurava uma criança em seus braços, viva.

Em sua profissão, por vezes se viu obrigada a abortar, e a única vez que decidiu ter a criança que trazia no bucho, ela nasceu morta. Era também uma garotinha, que somente encheu de amargura a vida daquela mulher, que bem poderia nunca ter existido.

Mas agora seria diferente.

- E qual é o nome desta coisinha? Já deste um nome para ela?

- Anja!

- Anja? E isso lá é nome de gente? Parece nome de cachorro.

- Pois é mesmo! Este era o nome de minha cachorrinha, quando eu morava no sertão.

- Você é louca, uma louca adorável e muito boa, Bartira. Queres ganhar um prato de feijão hoje? E um mingau para a Anja?

O coração de Torca era mole como sua barriga, mas ele tinha medo de dar guarida definitiva para Bartira, que já lhe havia roubado uns trocados algumas vezes.

Pelo menos no primeiro dia de vida da pequena Anja, um mingau já estava garantido.
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