O medo de nada valer para os conhecidos visita constantemente o íntimo de cada artista. Mais até do que o desprezo do público para o qual destina sua arte. Quanto a mim, se o meu corpo tivesse algum valor, eu o daria para ser leiloado, destinando o dinheiro arrecadado ao combate à fome. Ganharia nobreza aos olhos de quem me ama.
Não tendo valor intrínseco, como o ouro, mantido em milênios como o mais precioso dos metais por sua beleza, irradiação luminosa e indestrutibilidade; não sendo uma obra-prima da pintura, como a Gioconda ou os Girassóis, que vencem o desafio do tempo, prevalencendo às mudanças de cenários políticos, históricos e culturais para dar aos homens alegrias no espírito; não sendo valioso como uma melodia de Beethoven ou Bach, capazes de enlevar a mente às mais altas instâncias de paz e tranquilidade; sendo um homem tomado por limitações e fraquezas, cheio de vícios e imoralidades, é a vida o maior tesouro de que disponho, e muitas vezes falta a ela um sentido para não ser declarada algo desprezível.
O que posso fazer pra reverter quadro de tão bizonho pessimismo? Não ser homem no sentido ontológico? Como, se a razão me obriga a sê-lo? Abjurar meus íntimos valores? E quais são eles, se pouco os conheço? Eis aí, então, o conflito do artista: o desafio de negar os valores que o oprimem e vencer a timidez para dar à liberdade o supremo papel de inspiradora de sua consciência criativa.
Sei que há medos que não passam, e medos que não permanecem. Quem sabe o fato de compreender que tenho medo da insignificância, apenas, seja suficiente pra me confortar o espírito, pois nenhum mortal vive sem tal medo, ou mortal não seria...
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