Das duas, uma: ou é reumatismo ou é gripe. Que depressão, que mau humor súbito, que corpo tremelicante nada! A doença vai até o ponto onde principia o espírito. É ela subterfúgio da alma cansada, à procura do silêncio e da letargia. De fato, padeço cheiros, dores, assomos. Onde estarei eu, quando minha barriga dói? Sem brincadeira, nessas horas quero é o socorro de mãos curativas a apalpar a dor correta. Nem sei onde vago, assim refugiada. Contra a monotonia das horas, pululam glóbulos e bacilos, sopitando o querer: você não é senão um poço obscuro habitado por bactérias e vasos! A alma fragmentou-se no caquinho do espelho, sete anos de azar agora. Você tem a maior cara de tudo, que sem-graceza! Escolha na gaveta de baixo, na maior, suas perucas, olhos de vidro, dentaduras. Dispa-se de você e mostre-se ao mundo. Nua você é só sua, grande soberbia. Saiba que o suor não passa de soro fisiológico. "É aquela de óculos?" Bem, para uma de óculos, haverá sempre um bom par de lentes de contato esgrimidas na bolsa. "A de cabelo curto, então?": Peruca! "Melhor dizendo, a magra": Comida, comida, comida! "A que era magra e agora está gorda?" Regime! O mundo é estrábico, pede emprestados os óculos de alguma via láctea para enxergar seus temores. Conhece aquela do homem que lutava contra o próprio nariz? Não conto. Não há o que contar da biografia do moço que é todo um nariz, indecente, acintoso, maior do que o homem. Doutor Nariz. Tanto isso, tanto aquilo, mas nariz. Certo é que a deusa Cirurgia Plástica dos Desesperados vai acabar redimindo o pobre moço narigudo, presenteando-o com um nariz perfeito. Sai o nariz, entra o dedo. Sem nariz, o homem é agora um dedo que aponta para tudo e para todos, autoritário. Ensaio agora uma situação: e se o pai-de-todos se sublevasse obscenamente contra o absolutismo do indicador? Nariz do céu! Perseguida pela tralha desses pensamentos, saio de meu casulo para mais um duelo, não obstante a chuva insistente desses dias.
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